A Cabotagem continua "às cegas"

Setor é carente não apenas de avanços e infraestrutura, mas também de uma base de dados consistente, confiável e abrangente

Alguns dias atrás, li no Guia Marítimo News uma manchete bastante interessante e que me deixou muito curioso e esperançoso (Leia no Guia: 1º Anuário do Transporte da CNT mostra os desequilíbrios do setor ) já que, há tempos, é aguardada uma "ferramenta" capaz de mapear os fluxos de carga no Brasil. Ao abrir esse anuário, que é disponibilizado gratuitamente na internet em cerca 800 tabelas de Excel ou em formato de relatório com 211 páginas, logo percebi que demandaria certo tempo para digerir tanta informação.

Posso dizer que o novo formato do anuário da Confederação Nacional do Transporte sup ao trazer de forma consolidada e organizada dados úteis e relevantes sobre os principais modais do país, muitos inclusive de difícil acesso, tais como: evolução da produção de veículos no Brasil e no mundo, evolução do transporte urbano de passageiros, evolução da frota de veículos licenciados por tipo, etc. Entretanto, apesar de cerca da metade das 211 páginas do relatório ser dedicada ao modal rodoviário, infelizmente não encontrei o que tanto se espera: Fluxos Interestaduais de Carga.

A primeira e única vez que vi alguma estatística sobre esse assunto foi há mais de 15 anos quando o IPEA, por meio de um convênio com as Secretarias da Fazenda de todos os estados da federação, mapeou os Fluxos Interestaduais de Carga (por tipo de mercadoria) usando para isso os dados de Débito e Crédito de ICMS (Matriz do Fluxo de Comércio Interestadual de Bens e Serviços no Brasil – 1999).

Ainda que esse estudo estivesse longe de proporcionar o mesmo nível de detalhamento, precisão e agilidade com o qual, por exemplo, as empresas envolvidas no Comércio Exterior possuem acesso aos fluxos de importação/exportação, seja através do Aliceweb (Secex) ou do Dataliner (Datamar), lamento que o Ipea não tenha tornado desse estudo um produto de "prateleira". Esse tipo de informação poderia ajudar em muito o dimensionamento e mapeamento do mercado, o que faria com que tanto os transportadores rodoviários/ferroviários/aeroviários quanto os armadores de cabotagem pudessem direcionar melhor suas equipes de vendas, dimensionar suas frotas, aperfeiçoar suas rotas, personalizar seus serviços etc..

Falando mais especificamente sobre Cabotagem, a única base de dados disponível hoje no Brasil para esse modal é aquela obtida através do site da Antaq, porém que não traz informações sobre seu principal concorrente: o caminhão. Apesar de conhecer os esforços dessa agência para aprimoramento contínuo das informações, o nível de detalhamento é de certa forma restrito, e algumas pessoas nessa indústria continuam tendo dificuldade quanto ao uso da ferramenta (que de fato demanda certo conhecimento em sua utilização para evitar interpretações equivocadas) em razão de algumas divergências nas informações referentes à carga de transbordo, o que pode inviabilizar alguns tipos análises.

Enfim, em tempos de interação de dados, agilização de procedimentos e estratégias traçadas por meio de Big Data, com reconhecida necessidade/urgência em aumentar a participação da cabotagem na matriz de transportes brasileira, é lastimável que ainda tenhamos que nos basear exclusivamente em pesquisas, amostragens e estimativas. Embora tenhamos o excelente trabalho realizado pelo Instituto Ilos, que defende que, para cada container movimentado na Cabotagem atualmente, existem outros seis que poderiam migrar do caminhão para a Cabotagem, é contraproducente saber que a informação existe, mas está perdida ou subaproveitada em algum banco de dados estatal.


Nota do Editor: Em setembro deste ano, o Guia Marítimo realiza a 4ª edição do evento A Hora da Cabotagem, trazendo para a mesa de debates soluções para que a atividade se desenvolva como uma das saídas para a eficiência na matriz de transportes e na distribuição logística no Brasil. 

Escrito por:

Leandro Barreto / Sócio-Consultor SOLVE Shipping

Administrador de empresas, especializado em economia internacional pela Universidade de Grenoble e em Inteligência Competitiva pela FEA/USP. Há mais de dez anos atuando no segmento, foi gerente de Inteligência de Mercado na Hamburg-Süd, professor pelo IBRAMERC e Diretor de Análises da Datamar Consulting. Atualmente, coordena projetos independentes de consultoria com forte atuação junto a armadores, autoridades portuárias, embarcadores e entidades públicas voltadas para o desenvolvimento do setor portuário.



3 Comentários

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    Kleyn Guerreiro

    21/06/2016 11:37

    Este site da ex-SEP é mais amigável para acompanhar a movimentação portuária:
    https://webportos.labtrans.ufsc.br/Brasil/Movimentacao

  • L
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    Leandro Barreto

    22/06/2016 13:04

    Prezado Kleyn,
    Boa tarde e obrigado pelo comentário!

    De fato esse "front end" é bastante mais amigável, porém, não traz informação sobre o caminhao e está conectado a um "database" que possui limitações de detalhamento e acuracidade: SIG/Antaq
    (conforme mencionado no artigo).

  • K
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    Kleyn Guerreiro

    23/06/2016 07:51

    Que tipo de detalhamento está faltando na sua opinião? O anuário em Qlkview não acessa o SIG, acessa dados puros de atracações e cargas.