Como as perspectivas do Bunker afetam o mercado?

Um dos grandes responsáveis pela queda dos fretes marítimos no mundo todo começa a elevar a demanda e as cotações. Veja o que esperar pra a navegação.

Para entender melhor o assunto, além de muita leitura e consultas a sites especializados, é necessário conhecer um pouco da história da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo), ou OPEC em inglês, já que as oscilações de preço do Bunker são diretamente proporcionais à cotação do petróleo. Muitas vezes, a sensação que se tem é de que nem mesmo os maiores especialistas do setor parecem falar tudo o que sabem sobre esse assunto, seja em razão das incertezas envolvidas ou em função do alto nível de especulações que cercam esse mercado.

A OPEP é um grupo de países produtores de petróleo composto por Angola, Arábia Saudita, Argélia, Catar, Equador, Emirados Árabes, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria e Venezuela. Criado em 1960, o grupo tinha por objetivo principal fazer frente às grandes empresas compradoras do petróleo como Royal Dutch Shell (atual Shell), Anglo-Persian Oil Company (atual British Petroleum), Standard Oil (atual ExxonMobil), Texaco e Gulf Oil (atual Texaco) as quais, por seus enormes volumes de compra, barganhavam cada vez mais por preços menores. Ao longo das últimas décadas, sob a liderança da Arábia Saudita, a OPEP vem controlando o preço e a competitividade do Petróleo por meio da redução ou ampliação da oferta.

Segundo o analista sênior da Price Futures Group, Phil Flynn, "os sauditas estão tentando repetir o que a OPEP fez nos anos 80, baixando o preço para eliminar a competitividade dos rivais de fora do grupo. No entanto, essa é uma aposta grande, que nem todos os membros estão dispostos a pagar". O especialista refere-se à Venezuela, Equador e Argélia, que estão tendo problemas para fechar suas contas com os atuais níveis do preço do petróleo.

Atualmente, os países membros da OPEP respondem por cerca de 40% da produção mundial de petróleo, 60% das exportações e 75% das reservas mundiais, mas têm visto no gás de xisto norte-americano uma grande ameaça. O gás de xisto "virou moda" quando o petróleo passou de US$ 100/barril e, com seu crescimento exponencial de volume, tornou os EUA (maior importador mundial de petróleo) muito mais independentes de seus tradicionais fornecedores, entre eles justamente os países membros da OPEP. Com custos de produção infinitamente menores – enquanto o custo de produção do gás de xisto é estimado entre 50 e 60 US$/barril, o custo de produção dos sauditas não passa de US$ 15/barril –, dessa vez decidiram não reduzir sua produção e, com isso, super-ofertaram o mercado e fizeram cair as cotações.

Hoje, por volta de 60 empresas produtoras de gás de xisto já entraram em concordata, principalmente as menores. As grandes, altamente endividadas, estão se tornando um problema para grandes bancos americanos como, por exemplo, o Wells Fargo (entre US$ 30bi e US$ 43,5bi em empréstimos para empresas desse setor) e JP Morgan (por volta de US$ 21,2bi em empréstimos para empresas desse setor).

Entre as justificavas para o recente aumento nas cotações estão a redução da produção e o endividamento do setor de gás de xisto nos EUA, um discreto aumento na demanda chinesa, a queda na produção da Líbia (1,2m bpd a menos desde 2011 em função de ataques de grupos rebeldes) e a queda na produção da Nigéria (também em função de guerras civis).

O curioso, entretanto, é ver as cotações do petróleo subindo num momento em que o inverno no hemisfério norte está acabando, um período em que a demanda historicamente cai. De acordo com a IEA (International Energy Agency) a produção mundial de petróleo (na faixa de 94m bpd) ainda estaria acima da demanda, que gira em torno dos 92,7m bpd). Isso sem contar a retomada das exportações do Irã e as dezenas de navios petroleiros que estão atualmente ancorados em algum porto do mundo servindo para estocar petróleo/combustível (leia mais em Crude tanker storage fleet off Singapore points to stubborn oil glut).

A verdade é que, apesar do overcapacity no setor de transporte marítimo, a queda de mais de 70% nos custos do bunker foi um dos grandes motivos da recente queda dos fretes marítimos em todo o mundo. Para se ter uma ideia da dimensão do impacto do combustível na composição de custos de um armador, basta pegar o detalhamento do balanço da Maersk (maior armador porta-container do mundo) e comparar a edição de 2013 com a de 2015. A relevância da rubrica combustível caiu de 21% em 2013 para 13% em 2015.


Entre os impactos diretos dessa alta na cotação do petróleo está a probabilidade de os fretes marítimos começarem a sofrer reajustes em todo o mundo. No entanto, no caso específico do Brasil, e em médio prazo, isso poderia significar um importante efeito indireto sobre a disponibilidade de containers refrigerados para nossas exportações, já que o bunker mais alto inviabilizaria os antigos, pequenos e "beberrões" navios Full Reefer, que ainda transportam grandes quantidades de frutas nos dias hoje. Com isso, muita carga refrigerada transportada por esse tipo de navio, notadamente as bananas da Costa Oeste da America do Sul para Europa e Costa Leste Norte Americana (no Brasil, pode-se dizer que esses navios praticamente deixaram de atuar) tende a ser containerizada e passar a disputar com as nossas carnes e frutas os já pressionados estoques internacionais de containers refrigerados dos armadores.

**Henrik Simon é co-autor deste artigo**

Escrito por:

Leandro Barreto / Sócio-Consultor SOLVE Shipping

Administrador de empresas, especializado em economia internacional pela Universidade de Grenoble e em Inteligência Competitiva pela FEA/USP. Há mais de dez anos atuando no segmento, foi gerente de Inteligência de Mercado na Hamburg-Süd, professor pelo IBRAMERC e Diretor de Análises da Datamar Consulting. Atualmente, coordena projetos independentes de consultoria com forte atuação junto a armadores, autoridades portuárias, embarcadores e entidades públicas voltadas para o desenvolvimento do setor portuário.



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