Negócio da China

Desafios e oportunidades para o setor brasileiro de grãos

Ao contrário do que está acontecendo com o setor de containers no Brasil, no qual as oportunidades de investimento estão muito mais relacionadas à cabotagem e à mudança no perfil dos navios/serviços de Longo Curso operando na costa brasileira do que com as taxas de crescimento de mercado propriamente dito, no mercado de grãos, as oportunidades estão totalmente relacionadas às perspectivas de crescimento da demanda mundial por alimentos. Esta, por sua vez, vem sendo puxada pelo crescimento da população mundial, além do aumento da sua expectativa de vida e da renda per capita.

Na safra 2015/2016, segundo as estimativas mais recentes divulgadas pelo USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) - World Agricultural Productions - May 2016, a produção mundial de Grãos/Sementes será da ordem 3 bilhões de toneladas, sendo que 6 mercados respondem por quase 2/3 dessa produção.


Outro fator que está – e continuará – impactando significativamente a demanda mundial por alimentos é a mudança no modelo de desenvolvimento econômico chinês. Nesse novo modelo, em vez de o crescimento econômico ser sustentado por investimentos em infraestrutura, o objetivo é fazer do aumento do consumo da população a principal fonte de sustento do país, o que passa por um amplo programa de inclusão social e econômica.

Apesar de a China ser o maior produtor mundial de grãos, sua capacidade de expansão é hoje bastante limitada, e 90% da sua produção está focada em apenas três grãos: milho, arroz e trigo. Essas culturas são consideradas mais nobres (ou estratégicas), por serem alimentos geralmente ingeridos de forma direta pelas pessoas – o que também não deixa de ser uma questão de segurança alimentar.

O fato é que, com tantos novos consumidores chegando ao mercado todos os dias, a demanda por proteína animal na China vem crescendo consideravelmente e, com ela, cresce também a demanda por soja, para alimentar suas criações (frangos, porcos e peixes); e é aí que entra o Brasil.

Onde fica o Brasil nesta projeção

Nas últimas duas décadas, a taxa de crescimento das importações chinesas de soja se manteve em dois dígitos, o que consolidou a China como o atual destino de quase 2/3 das exportações mundiais desse grão. Se, por um lado, uma diminuição nessa taxa de crescimento é esperada, em termos absolutos, o crescimento de volume tende a continuar forte. Ademais, ainda de acordo com o USDA, nenhum outro país do mundo, senão o Brasil, possui capacidade de expandir sua produção a ponto suprir esse enorme apetite chinês.


Não por outro motivo temos acompanhado semanalmente na mídia anúncios de investimentos em terminais de grãos pelo país, sejam esses Renovações Antecipadas, Novas Concessões, TUPs (Terminais de Uso Privativo), ETCs (Estações de Transbordo de Carga), Barcaças/Empurradores, etc. Após um breve levantamento, identifiquei pelo menos 12 terminais em fase de "anúncio de investimento" ou "início das obras" (com investimentos estimados em cerca de R$ 3 bilhões), isso sem contar as cinco áreas que teoricamente vão a leilão no Pará no próximo dia 10 de Junho.

Em termos de oportunidades, todos esses investimentos certamente movimentarão consultorias de mercado, assessorias jurídicas/ambientais, escritórios de engenharia, construtoras/empreiteiras, fornecedores de máquinas/equipamentos, silos/armazéns, transportadoras etc. Ouvi recentemente do Fabio Giusa, Diretor Comercial do Grupo F&F, que "as vendas para terminais de container deram uma arrefecida, mas que a demanda dos terminais de grãos tem crescido de forma consistente". Em tempo: o Grupo F&F atua há 21 anos no Brasil, representando e comercializando máquinas e equipamentos dos principais fornecedores internacionais de soluções para terminais portuários.

A grande ameaça, entretanto, é que todos esses terminais precisarão de acessos terrestres e marítimos compatíveis – e isso normalmente não pertence à alçada do investidor. Entre as principais obras necessárias para viabilizar esses novos terminais, destacaria:

  • Concessão do trecho Sinop/Miritituba da BR163 (ou, alternativamente, a Ferrogrão - Lucas do Rio Verde/Miritituba)
  • Extensão da Ferrovia Norte-Sul de Açailândia até Vila do Conde
  • Readequação/otimização do acesso ferroviário ao Porto de Santos.

Para o transporte marítimo, é importante mencionar que, assim como no container, para navios dry bulk, existe um excesso de capacidade considerável no mercado – o que naturalmente se reverte em ameaça para os armadores e oportunidade para os exportadores. Conforme matéria publicada recentemente no ShippingWatch (Cargill senior analyst: 1000 bulk vessels need to be scrapped) estima-se que algo em torno de 1.000 navios Dry Bulk precisarão ser sucateados para que se encontre novamente um equilíbrio entre a oferta e a demanda.

Espero sinceramente que o governo Temer, apesar das recentes turbulências, não perca o foco do seu discurso inicial e se mantenha empenhado em destravar os investimentos em infraestrutura. Definitivamente, não podemos desperdiçar a oportunidade de "matar a fome" dos chineses.

Escrito por:

Leandro Barreto / Sócio-Consultor SOLVE Shipping

Administrador de empresas, especializado em economia internacional pela Universidade de Grenoble e em Inteligência Competitiva pela FEA/USP. Há mais de dez anos atuando no segmento, foi gerente de Inteligência de Mercado na Hamburg-Süd, professor pelo IBRAMERC e Diretor de Análises da Datamar Consulting. Atualmente, coordena projetos independentes de consultoria com forte atuação junto a armadores, autoridades portuárias, embarcadores e entidades públicas voltadas para o desenvolvimento do setor portuário.



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