OS ACIDENTES MARÍTIMOS E A RESPONSABILIDADE DOS EMBARCADORES

Solve Shipping Inteligence - Destaque do Mês


                                                                                             


Ao longo do ano passado e nos primeiros meses de 2019, foram noticiados diversos acidentes marítimos resultantes de fogo a bordo o que juntamente com o recente desfecho de uma disputa judicial acerca de um caso bastante emblemático do passado – a explosão seguida de incêndio no navio MSC Flaminia em 2012 – tem voltado os holofotes para esse tema e elucidado bastante a responsabilidade dos embarcadores quanto ao embarque de cargas perigosas.

O navio em questão fazia a rota de Nova Orleans para Antuérpia quando foi percebido fumaça em um dos porões. Logo após houve uma explosão seguida de incêndio que destruiu boa parte da carga e do navio, com a perda de 3 vidas. As investigações constataram que a explosão se deu em três ISO Tanks estivados no porão, contendo uma carga de Divinilbenzeno (DVB) que, por aquecimento, polimerizou e explodiu. Importante dizer que uma das recomendações dos manuais de manipulação dessa carga indica que ela não deve ser armazenada ao sol e a temperatura ambiente não deve ultrapassar 30°C.

Sempre se diz que um acidente, em geral, não tem uma causa única, senão uma sucessão de erros. Nesse caso o problema todo começou com a entrega dos tanques no terminal de New Orleans em junho, para embarque apenas dia 1º de julho, tendo permanecido no pátio por dez dias sob o sol inclemente da Luisiana em pleno verão. Posteriormente foram estivados no porão N°4 adjacentes a contêineres aquecidos contendo Difenilamina (DPA) e próximos aos tanques aquecidos de combustível.

O embarcador foi a empresa Deltech, que por sua vez contratou a empresa Stolt-Nielsen para fornecer os tanques, enche-los e proceder ao embarque. A corte atribuiu 55% de responsabilidade à Deltech e 45% à Stolt, isentando inteiramente a MSC, baseada nos seguintes argumentos:

“Contrariando seus próprios protocolos de segurança estabelecidos após conhecerem-se casos de polimerização que determinaram que não se poderia proceder ao embarque desse produtos em New Orleans nos meses de verão, eles contrataram esse embarque para final de junho. Essa decisão infeliz foi uma combinação de decisões de alto nível, seguidas de erros de gestão a seguir. A Stolt, por sua vez, detinha extensa informação da natureza sensível ao calor do DVB, tendo falhado em passar essa informações à MSC e encheu os tanques e entregou-os ao terminal muito mais cedo do que seria necessário.”

De acordo com estatísticas da seguradora TT Club cerca de 66% dos incidentes envolvendo cargas no transporte intermodal podem ser atribuídos a falhas no processo de estufagem, mas não apenas quanto à distribuição da carga na unidade e sua amarração, como também o fluxo de trabalho desde a classificação até a declaração e transferência efetiva de dados.

À luz dos recentes acidentes graves o TT Club, juntamente com o “Global Shippers Forum”, o “International Cargo Handling Coordination Association” e o “World Shipping Council” lançaram uma campanha para promover o conhecimento e aplicação do recente “Cargo Transport Units Code”, emitido pela IMO juntamente com outras entidades. De caráter não mandatório, o documento traz recomendações importantes sobre a manipulação e cuidados com cargas em contêineres que pode prevenir o embarcador de condenações como essa recebida pela Deltech/Stolt-Nielsen.

Resta claro após todos esses episódios que ao embarcador, não basta indicar no B/L o código IMO de carga perigosa, preencher os formulários adequados e etiquetar os contêineres corretamente. É preciso ir além, informando todas as peculiaridades da carga tanto ao terminal quanto ao armador e ao seu agente de carga, pois está ficando cada vez mais pacificado o entendimento jurídico de que um embarcador pode ser inteiramente responsabilizado por um acidente marítimo, eventualmente de grandes proporções, por falha de comunicação no processo ao longo da cadeia, como no caso do MSC Flaminia.

Muitos acidentes que resultaram em naufrágios, perda de estabilidade do navio e perda de contêineres em alto mar podem ser atribuídos ao excessivo número de contêineres com o peso mal ou sub-declarado. Esse problema tornou-se tão sério que em julho de 2016 entrou em vigor de forma mandatória o “VGM – Verified Gross Mass”, uma exigência da IMO para que todos os contêineres tenham seus pesos verificados fisicamente antes de embarcar.

Talvez esteja chegado o momento de também revisar o código IMO e maximizar tanto o controle quanto a fiscalização de cargas perigosas, aplicando algum sistema mais seguro de verificação das cargas e procedimentos pré-embarque que permitam uma estivagem e transporte mais seguros, para que se reduzam esses acidentes e acima de tudo a perda de vidas que deles tem resultado.

Escrito por:

Robert Grantham

Formado pela PUC/RS com licenciatura em ensino da língua inglesa, Robert Grantham desenvolveu sua carreira na área da navegação, atuando como executivo em agencias marítimas, como Wilson Sons, Orion e Lachmann, com passagem pelo Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Badesul), atuando na área internacional. Posteriormente foi o responsável pelo start-up das operações da China Shipping no Brasil e Diretor Comercial e Executivo do Porto de Itajaí. Atualmente dedica-se a consultoria, como sócio da empresa Solve Shipping Specialists, tendo realizado trabalhos para Drewry, TESC, LogZ, Porto de Itajaí, Steamship Mutual - P&I, Norsul entre outros. Como palestrante e moderador participou de eventos como Mare Forum, Port Finance International Brazil, Container Handling Technology Brazil, Itajaí Trade Summit. É colaborador da revista Container Management e Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem do Brasil (CAMEDIARB) e da Câmara de Arbitragem e Mediação de Santa Catarina (CAMESC).



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