Quem vem primeiro? A carga ou o navio?

Portos têm atrativos que vão desde o acesso até a produtividade ou a estrutura, porém quais são os critérios que fazem com que um porto tenha vantagens sobre outro?

Li recentemente na revista “Container Management” (ed. Jan/Fev 2016) que a empresa PSA está em processo de fechamento de seu terminal “”Container Handling Zeebrugge”, localizado no porto belga de Zeebrugge. Nesse terminal, o grupo PSA conta com uma participação minoritária de 35% da CMA CGM. As razões para encerramento do terminal, segundo a revista, decorrem do forte declínio dos volumes, que o torna deficitário. Ainda segundo declara o operador, o declínio se deve ao fraco desempenho da economia, a aumento da competição e o continuo processo de consolidação na indústria marítima.

O curioso é que esse terminal conta com três berços de atracação, um cais contínuo de 1.000m, uma profundidade de 17m e quatro porteineres: um terminal de causar inveja a qualquer porto brasileiro. Acrescente-se a isso que o porto de Zeebrugge está localizado na rota do mar do norte e seu acesso é direto, ao contrário de seu vizinho maior, Antuérpia, para acesso ao qual os navios têm de navegar cerca de 88 km do mar até o porto através do Rio Schelde.

Segundo a consultora Drewry, os portos europeus no arco entre Le Havre e Hamburg vêm experimentando declínio nos volumes, com Zebrugge liderando com 20% de perda. Antuérpia, ao contrário, tem tido crescimento, ainda que modesto.


O que explicaria, então, que um porto com acesso direto ao mar, com excelente profundidade perca carga ao ponto de fechar um terminal, enquanto outro consiga crescer a despeito de estar situado ao longo de um rio, distante do mar e com restrições de marés e navegação?

O artigo da Drewry, organizado pelo analista Neil Davidson, explica que Antuérpia está mais próximo do centro do continente, e se beneficia de uma massa crítica, em termos de volume de carga tanto de exportação como de importação e por esses motivos torna-se o porto preferido pelo mercado. Assim sendo, os armadores e suas alianças, a despeito das dificuldades de acesso ao porto, tem de atender aos seus clientes e manter as escalas naquele porto.

Isso nos remete aos portos brasileiros e ilustra muito bem o sucesso alcançado ao longo dos anos pelo complexo portuário de Itajai (APM e Portonave). Assim como Antuérpia, Itajaí também tem dificuldade de acesso, restrições de calado e tamanho de navio que pode receber e, ao longo dos anos, criou uma massa crítica em termos de volume de cargas e facilidades de armazenagem e distribuição.

Embora venha perdendo alguma carga nos últimos dois anos, por questões conjunturais e concorrenciais, ainda assim, a despeito de novos terminais muito próximos, tem conseguido manter-se como o segundo polo nacional de movimentação de contêineres, confirmando o exemplo de Antuérpia, que deixa claro que é a carga quem determina as escalas ao armador.

É evidente que, no longo prazo, essas vantagens podem ser perdidas caso o complexo não consiga equacionar a questão do acolhimento dos maiores navios que estão entrando em operação na costa brasileira, que hoje está limitada aos navios de até 305m de comprimento, enquanto já há demanda para navios de até 335m. Antuérpia enfrentou problema similar e com o envolvimento de toda a comunidade, apoiando obras de aprofundamento, para poder receber com sucesso, em outubro de 2013, o navio Mary Maersk, com capacidade de 18.000 Teus que percorreu o rio Schelde sem problemas – ainda que respeitando janelas de maré (assista ao vídeo)

ItajaÍ tem um projeto de alargamento de sua bacia de evolução, numa primeira fase, para depois ampliar também os canais de acesso, de modo a viabilizar a operação de navios de até 14.000 Teus e 365m de comprimento. É preciso não perder mais tempo e, assim, preservar seu patrimônio logístico para se habilitar a enfrentar os portos concorrentes em termos iguais.

Em Santa Catarina, há também outro porto por meio do qual é possível traçar um paralelo com Zebrugge. Trata-se de Imbituba. É um porto que está muito bem localizado, em termos de acesso marítimo, pois está na rota dos navios trafegando entre o Brasil e o Rio da Prata e, por sua posição geográfica, não exige quase nenhum desvio de rota para o navio adentrar o porto. Embora tenha um terminal relativamente pequeno, é bem equipado com dois guindastes STS, tem um bom cais, com excelente profundidade, não está sujeito a restrições climáticas nem a assoreamento e é capaz de recepcionar os maiores navios em operação na costa brasileira.

No entanto sua movimentação, de contêineres é pífia: em 2015, movimentou apenas um pouco mais de 30 mil Teus. O que acontece então com Imbituba? Massa crítica também responde a essa pergunta: a carga não vem porque não tem navio e o navio não vem porque não tem a carga.

Escrito por:

Robert Grantham

Formado pela PUC/RS com licenciatura em ensino da língua inglesa, Robert Grantham desenvolveu sua carreira na área da navegação, atuando como executivo em agencias marítimas, como Wilson Sons, Orion e Lachmann, com passagem pelo Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Badesul), atuando na área internacional. Posteriormente foi o responsável pelo start-up das operações da China Shipping no Brasil e Diretor Comercial e Executivo do Porto de Itajaí. Atualmente dedica-se a consultoria, como sócio da empresa Solve Shipping Specialists, tendo realizado trabalhos para Drewry, TESC, LogZ, Porto de Itajaí, Steamship Mutual - P&I, Norsul entre outros. Como palestrante e moderador participou de eventos como Mare Forum, Port Finance International Brazil, Container Handling Technology Brazil, Itajaí Trade Summit. É colaborador da revista Container Management e Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem do Brasil (CAMEDIARB) e da Câmara de Arbitragem e Mediação de Santa Catarina (CAMESC).



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