A inteligência nos transportes

Guia Marítimo News inaugura hoje uma série que aborda tendências e inovações na cadeia de suprimentos e no transporte mundiais

"Não me lembro de uma época em que tantas mudanças estivessem em curso como a que vivemos hoje em dia", apontou John Manners-Bell, ao abrir a conferência Transport Intelligence, realizada em Londres com divulgação exclusiva do Guia Marítimo para discutir as tendências do transporte mundial. Novos modelos de negócio sendo consolidados, aplicação de tecnologias com base na lógica de games virtuais, análises detalhadas de dados que refletem o comportamento do consumidor e supressão das figuras de intermediação em todos os tipos de negócio vão exigir uma mudança imediata de cultura, ou de foco, deixando no ar a pergunta mais intrigante de toda a indústria: quem vai sobreviver?

O mercado hoje superou a necessidade de gerenciar dados, e já se pode dizer que atingiu a próxima fase: beneficiar-se das informações para traçar estratégias para o futuro. É justamente neste ponto em que nasceu a necessidade e a aplicabilidade do chamado Big Data, a nova ciência que não apenas coleta dados mas analisa o comportamento do consumidor com base em hábitos, tendências e aplicabilidade. Ao fazê-lo, a indústria passa a aproximar cada vez mais os fornecedores dos consumidores, ameaçando toda uma indústria intermediária, que vai se encontrar em um momento delicado de mudança de paradigma.

Com a produção globalizada, a logística sofreu transformações primordiais: de fornecedores regionais, a distribuição passou a ser centralizada. Além disso, as distâncias do fornecedor até a indústria passaram a ser mais longas, com base nos custos cada vez mais enxutos - especialmente os trabalhistas. Consequentemente, as empresas viram aumentar uma série de riscos, sejam externos e incontroláveis, como desastres, corrupção e barreiras, até os internos intrínsecos à produção, como os logísticos e trabalhistas, ou pontuais, como acidentes ou roubos por exemplo.

A partir da implantação da ciência de análise comportamental dos consumidores por meio dos recursos de Big Data, a principal mudança ocorrida no mercado mundial foi que o cliente passou a ditar as tendências da indústria, e não mais o contrário. Com isso, o planejamento logístico ficou muito mais sofisticado, com ferramentas que possibilitam prever o consumo e programar entregas até a "última milha", ou seja: nos extremos da cadeia, a chamada last mile.

Para atender à capilarização das entregas, especialmente com o aumento expressivo do e-commerce mundial, as empresas têm estudado estratégias tecnológicas, como o uso de robôs e drones tanto para gerenciar estoques quanto para chegar ao cliente. O desafio se mostra necessário nas cidades grandes por conta da acessibilidade, cada vez mais dificultada pelo trânsito caótico e as regras de controle de tráfego. Porém é também a aposta para as entregas em lugares menos acessíveis, com infraestrutura menor ou inexistente, uma vez que os equipamentos poderão "criar a própria infraestrutura", explicou Mark Miller, autor do livro Global Supply Chain Ecossystems, que moderou o primeiro painel da conferência sobre o poder das tecnologias disruptivas na logística. 

Millar, que esteve com Bill Gates no início da carreira, explicou que a visão real que conseguimos ter sobre o futuro da tecnologia não ultrapassa 18 meses, uma vez que o desenvolvimento dos produtos não é a única mudança que acontece na medida em que o tempo passa: "a tecnologia causa um impacto cultural que não conseguimos mensurar, basta pensar em como prevíamos a utilização dos smartphones dez anos atrás", completou. De acordo com o especialista, o grande desafio de prever as tendências do futuro é detectar quem elas vão beneficiar - e quem vão prejudicar.  

Segundo Wolfgang Lehmacher, diretor de supply chain do World Economic Forum, a substituição do ser humano por máquinas tende a diminuir os acidentes (hoje causados por falha humana em 90% dos casos), além de melhorar em 20% o uso do espaço e diminuir o trânsito em 70% - hoje o grande desafio dos grandes centros. 

A aceitação da automatização de motoristas, no entanto, ainda é pequena: uma pesquisa realizada com usuários de automóveis em Londres, Berlim e Cingapura relatou que 53% da população que hoje dirige veículos gostaria de passar a tarefa para uma máquina, e o principal fator que levaria essas pessoas a adotar a mudança seria o ganho e tempo. Essa mudança, no entanto, ainda esbarra em alguns fatores, além da aceitação: tecnologia suficiente (40%) e regulamentação (20%). "Após a implantação, a grande ruptura será que as entregas não mais serão realizadas na sua casa, mas sim os seus equipamentos é que irão buscar as suas encomendas nos centros de distribuição", aposta Lehmacher. 

Para ele, a reogranização da produção ainda vai causar implicações estruturais tanto para a navegação quanto para as cargas aéreas, uma vez que "além de mudar o sistema de comércio como conhecemos hoje em dia, a robotização tem uma forte tendência em suprimir problemas trabalhistas que levaram os países desenvolvidos a enviar as suas fábricas para países com mão de obra mais barata, repatriando assim a produção". 

Millar, por sua vez, não compartilha com Lehmacher a ideia de que a aplicação de entregas robotizadas vá acontecer em todos os segmentos, mas sim em nichos específicos, como o farmacêutico, os alimentos em áreas remotas, e a movimentação interna dos centros de distribuição. 

Todos esses temas, incluindo ainda questões pontuais como logística urbana, robotização, sustentabilidade, e-commerce e tendências da cadeia de suprimentos farão parte de uma série especial que o Guia Marítimo News inicia hoje e publicará diariamente.

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