Disruptura ou distração?

Indústria e operador logístico precisam estabelecer um trânsito generoso de dados, tão crucial quanto delicado

Com as ferramentas de captação e análise de dados ocupando o primeiro plano no desenvolvimento das estratégias comerciais das empresas, as informações se tornaram o bem mais precioso da cadeia produtiva, logística e de suprimentos.

Entretanto, Nicolas Leroux, fundador e diretor da empresa francesa de tecnologia Lunatech, alerta que, ao viabilizar o trânsito desmedido de dados e quebrar a privacidade, a tecnologia pode tocar pontos delicados do relacionamento entre o operador logístico e seu cliente. “É necessário haver integração, muitas vezes até física, entre as estruturas da indústria e seu transitário de cargas, o que nos faz pensar se a tecnologia avançada veio de fato trazer uma solução ou um problema às empresas; ou ainda: disruptura ou distração?”, questiona o especialista.

Ao mesmo tempo, hoje, saber o que o seu cliente vai comprar, quando ele vai tomar a decisão de compra e quais são os parâmetros que vai utilizar para fazer suas escolhas é primordial para destacar uma empresa no mercado, ou definir quem sobrevive e quem submerge.

Vulnerabilidade

De acordo com Leroux, ainda há uma falta generalizada de intenção de compartilhamento de informações entre o operador e seu cliente, por ambas as partes, que justificadamente temem entregar demais, e serem substituídas por concorrentes ou até mesmo suprimidas. “A própria palavra colaboração”, complementa Mark Miller, autor do livro Global Supply Chain Ecossystems, “tem duas conotações no dicionário de inglês: a primeira significa trabalhar em conjunto; e a segunda, histórica, traz o sentido de passar informações ao seu inimigo de maneira voluntária”.

Segundo Eduardo Costa, da Phocus Interact, empresa brasileira de Business Intelligence que atende uma série de empresas de logística, a realidade do Big Data não tem volta: “para ter vantagem competitiva, você necessita compartilhar as suas informações com seus parceiros e com seus provedores, ou fica de fora do mercado”. Ele lembra, no entanto, que a relação de confiança sempre existiu, e compara com a atuação do contador pessoal ou profissional. “Posso dizer, por exemplo, que o meu contador sabe da minha vida financeira até mais do que eu mesmo. Porém, a nossa relação é pautada por um contrato, com cláusulas de confidencialidade”. Segundo o especialista, com o nível de compartilhamento de dados que hoje rege a parceria entre o embarcador, o operador logístico e o transportador, é necessário que os contratos acompanhem e protejam a vulnerabilidade de cada um dos envolvidos.

Marco histórico

Em estudo publicado por dois dos conferencistas da Transport Intelligence, John Manners-Bell e Ken Lyon, o exemplo da UPS Europa é mencionado como um exemplo de como a tecnologia mudou os parâmetros de funcionamento geral do mercado.

Vinte anos atrás, a divisão de logística da UPS Europa desenvolveu um sistema que combinava, em uma única plataforma, o gerenciamento de pedidos, controle de estoque, cross docking, e a administração geral dos transportes. Esse sistema único ficava “atrelado” à autoridade alfandegária holandesa, por meio de um acordo inovador de licenciamento que tinha sido recentemente introduzido pela União Europeia, permitindo que os pedidos ou o inventário fossem efetivamente vinculados à aduana, independentemente da localização, inclusive mercadorias em trânsito.

O sistema permitiu que a UPS oferecesse uma imensa flexibilidade a seus clientes, que o utilizavam em benefício da agilidade de suas próprias cadeias de suprimento. A flexibilidade da plataforma fez com que ela rapidamente permitisse a adaptação de novos processos ou funções às demandas comerciais. Nascia dali a tendência tecnológica de combinar as funcionalidades em prol de novas soluções, e a necessidade de criar interfaces, o que se intensificou com a disseminação da Internet. Diante do exemplo, os pesquisadores questionam: é possível explorar esse tipo de plataforma sem desafiar as bases do arraigado (e frequentemente inflexível) fluxo operacional tradicional do mercado, tornando-os obsoletos e dificultando a sua competitividade?

A aplicação da tecnologia no futuro da logística foi amplamente debatida durante a convenção TI (Transport Intelligence), realizada em Londres no início do mês, que deu origem à série Inteligência nos Transportes, publicada todas as quartas e sextas-feiras no Guia Marítimo News. Leia no Guia os outros temas da série.


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