Trump e a navegação mundial

Independentemente das tendências políticas, as opiniões divergem pouco quando o assunto é a proteção da economia americana

Assim que a candidatura de Donald Trump começava a dar sinais de vitória, os mercados de ações do mundo todo apresentaram queda, e o Dólar registrou baixa diante de outras moedas. Após a indicação dos resultados finais nas urnas americanas, a situação se agravou. Começou com uma queda de mais de 5% no índice Nikkei, e outras de 3% e 2,2% de Taiwan e Coreia, respectivamente. “O ouro abriu os negócios em alta de 2,5%. As bolsas europeias, ainda atônitas, apresentam quedas de mais de 2%, em maioria. E os futuros da bolsa americana já indicam queda de mais de 2%” analisa economista da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo.

Para a comunidade marítima, no entanto, as perspectivas de enfraquecimento da moeda norte-americana trazidas pela vitória de Trump é apenas uma das preocupações. O preço do petróleo, cujo índice representativo do mercado (Brent) marcava US$ 50,76 por barril em 7 de novembro, caía para US$ 45,58 na véspera das eleições.

Amplamente evidenciado pela mídia, os mercados financeiros tinham clara preferência pela vitória de Hillary Clinton, principalmente pelo olhar protecionista do candidato, que gera incertezas para o comércio exterior. No discurso de vitória, transmitido pelas TVs internacionais, Trump reafirmou suas intenções de voltar os esforços para dentro do país, inclusive com obras de melhoria de infraestrutura, as quais ele garantiu que serão “sem igual”.

Segundo o “The Economist”, mesmo que Trump consiga tirar os Estados Unidos de uma crise econômica imediata, “os efeitos de longo prazo de seu mandato serão profundos”. A publicação menciona ainda que dificilmente serão continuados os acordos em andamento, e tampouco fechadas novas parcerias, de modo que as previsões para o mercado global são “consideravelmente nebulosas”, uma vez que Donald Trump não se mostrou especialmente interessado na cooperação internacional.

Enquanto ele promete diminuir a regulamentação interna e conceder “espaço de manobra” para as corporações norte-americanas por meio do nacionalismo (que deverá incentivar em outros países também), The Economist afirma que, em longo prazo, a estratégia deverá diminuir inclusive o potencial de crescimento do país, bem como o poder de negociação de suas indústrias.

Do lado dos armadores, a K-Line afirmou à IHS Fairplay que não esperava impactos muito profundos, especialmente pelo fato de a navegação ser uma atividade bastante cíclica. “No entanto, se o dólar cair, várias companhias acabarão sentindo o efeito. As transações na navegação são negociadas em dólar que, quando convertido de volta às moedas locais, ganharemos menos com um dólar americano enfraquecido”, afirmou o porta-voz do armador japonês.

Durante a conferência da BIMCO, realizada na última quarta-feira em Xangai, os analistas fizeram um esforço para minimizar os possíveis impactos da eleição de Trump. Entretanto, o que fica para a comunidade marítima são as preocupações de que o protecionismo do ocidente impeça o crescimento do comércio mundial.

Além do possível freio à globalização, outra questão trazida à tona por agentes europeus foi o fato de Trump não ter uma agenda muito forte na direção das mudanças climáticas, o que pode favorecer a navegação de embarcações movidas a petróleo bruto ou carvão.

Consultada pela Fairplay, uma especialista da Drewry lembra que, desde a entrada da China na OMC, em 2001, houve uma mudança da indústria da manufatura do ocidente para a Ásia, o que fez da China o maior importador de combustíveis fósseis. Porém essas tendências perduram por certo tempo, depois se alteram, algo que temos acompanhado com uma maior introspecção da China para seu próprio mercado.

Especialistas, acadêmicos e profissionais do mundo todo se pronunciaram durante o dia de ontem, porém, no Brasil, as opiniões convergiram para o temor de que o protecionismo americano venha de encontro com os movimentos e a agenda (ambos tardios) de inserção do País no comércio mundial.

Ainda para o economista da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo, a vitória de Trump pode provocar um “tremendo estresse”, devido à forte pressão nas cotações, “especialmente porque as bolsas americanas estão próximas de seus highs".

Alexandre vai mais longe, mencionando as opiniões de Trump, contrárias à política monetária da presidente do FED (o Banco Central Americano), Janet Yellen. E cita que alguns chegam a acreditar que Yellen pode vir a renunciar – “o que impacta não só a política monetária dos Estados Unidos, mas o fluxo global de capitais, com reflexos nos países emergentes, como o Brasil”, afirma.

O economista avalia que, no Brasil, devemos ser cautelosos. “A bolsa brasileira subiu muito nos últimos meses e não passará incólume de um provável estresse global. A taxa de câmbio pode reagir com o pessimismo geral e desvalorizar mais fortemente, o que prejudica a inflação e a política de juros do nosso banco central”. E aconselhou: “Fincar os pés nos investimentos de renda fixa será, sem dúvidas, a melhor alternativa, dado que a volatilidade imperará nos próximos dias”.

Do ponto de vista acadêmico de Manuel Furriela, Coordenador do curso de Relações Internacionais do Complexo Educacional FMU, o resultado das eleições americanas pode atingir diretamente o Brasil.

Ele cita dois aspectos principais aos quais devemos nos ater. “Primeiro, em relação ao projeto em trâmite que objetiva facilitar a concessão de vistos para que os brasileiros visitem os Estados Unidos. O outro aspecto está relacionado com as exportações brasileiras, pois um maior protecionismo americano poderá diminuir as importações americanas e diminuir a compra de produtos brasileiros”.

Para frustração da agenda exportadora do Brasil, Furriela, que tem formação pela American University, e hoje preside o departamento de Cooperação Internacional, acredita que um dos setores que mais afetados pode ser justamente o dos produtos agrícolas.

Em seu livro, traduzido para o português como “A América Debilitada – Como fazer a América grande outra vez”, lançado pela Ed. Citadel, Donald Trump afirma: “Sou um cara realmente bacana, mas também apaixonado e determinado a fazer com que nosso país seja grande outra vez. É hora de revertermos a América do desespero e da ira para a de alegria e realizações. Isso pode acontecer e acontecerá. Nossos melhores dias ainda estão por vir”.

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