A chave para o Mercosul é o equilíbrio

Qualquer ameaça ao balanço das operações entre os países tem efeito imediato sobre as economias, “e pode retardar a economia por anos”, diz Lourival Martins

De uma declaração feita no final de março pela chanceler do governo argentino, Susana Malcorra, a participação do Brasil no Mercosul chegou a ser questionada no mercado, após a menção da diplomata a uma cláusula do bloco que prevê sanções aos países que desrespeitarem processos eleitorais – pressupondo, portanto, a iminência de um golpe contra o governo.

A notícia foi divulgada pelo Estadão e citada pelo Guia Marítimo no dia 23 de março, o que levou a comunidade do comércio exterior a avaliar os laços comerciais firmados com os países vizinhos e parceiros, que hoje definem boa parte da balança comercial brasileira.

Embora a chanceler Malcorra tenha de fato mencionado a existência da cláusula, ela não esclareceu exatamente qual seria a abordagem da norma sobre o Brasil e ainda reforçou que “não está, agora, em nossa agenda que se aplique, uma desvinculação temporária do Brasil do Mercosul, embora ela possa eventualmente existir”.

A questão é que as afirmações de Malcorra são recheadas de atenuantes, como “talvez”, “eventualmente” e “não estou segura”, mas mesmo assim causaram impacto ao mercado, uma vez que alguns entenderam que a mensagem da chanceler clamava pelo posicionamento do bloco como apoiador do governo da presidente Dilma. E que a saída do País do bloco não deve ser decidida por uma “eventual” aplicação de cláusula, uma vez que o PIB do Mercosul é composto de, no mínimo 2/3 do comércio exterior brasileiro.

Brasil e Argentina

Outra notícia que assustou o mercado também chegou da Argentina: em meados de março, o Ministério de Produção do governo de Mauricio Macri editou uma medida cautelar que eliminou da lista de licenças automáticas de importação 83 itens comercializados pelo Brasil. Apesar de comum esse tipo de alteração acontecer nas constantes negociações entre países, o artifício acabou com os ânimos do Brasil, que tinha atingido, desde o início do ano, um superávit três vezes maior do que o registrado no mesmo período do ano passado.

As exportações do Brasil para a Argentina haviam sido facilitadas desde a inauguração do governo Macri, quando o presidente derrubou as chamadas “Declarações Juradas Antecipadas de Importações” e manteve as licenças automáticas para produtos “sensíveis”, também noticiado pelo Guia Marítimo na época. Com a facilitação, houve um desequilíbrio notável da balança comercial em favor do Brasil, que chegou a um superávit de cerca de US$ 800 milhões, com projeção para chegar até os US$ 6 bilhões ao final do ano.

De acordo com Lourival Martins, da Martins Logística, que tem forte atuação no Mercosul, “essa prática é uma tentativa de fazer com que haja melhores negociações entre os países e, embora não convencional, não chega a ser ilegítima. No entanto, ela pode ter efeito longo sobre o comércio exterior brasileiro, retardando as exportações do País, especialmente de autopeças e veículos”. Por si só, o novo entrave já seria uma má notícia para um Brasil que busca, nas exportações, a saída para se recuperar da crise política e econômica e equalizar a balança comercial.

A reação natural do Brasil, a partir de agora, seria reagir com a abertura das importações de produtos argentinos, numa prática comum com que o próprio país já está acostumado. Em outros tempos, a situação já foi inversa: “quando o déficit da Argentina fica muito alto, como aconteceu em 2014 e 2015, adotamos a mesma sistemática”, afirma Lourival Martins.

O peso do rodoviário na matriz de transportes

Hoje em dia, 95% do comércio internacional entre o Brasil e os países do Mercosul se dá por meio das rodovias, e o acordo de livre comércio é, em grande parte, o motivo da forte tendência para o modal. “As transportadoras que trafegam com licenças internacionais têm algumas vantagens na movimentação de carga para os países do bloco, e a primeira delas é que, como a carga em caminhão já é liberada nas fronteiras, não se tem custos com armazenagem ou estadia em alfândega, o que faz com que os preços do modal rodoviário, mesmo mais elevados do que os praticados pela integração com outros modais, se torne competitivo”, garante Martins, que trabalha com frota própria a partir do centro de distribuição da empresa, localizado em Poá.

Além da dispensa da armazenagem, Martins menciona também como vantagem do modal rodoviário a facilidade do retorno com carga – algo que pode ser prejudicado sempre que há desequilíbrio da balança comercial entre os países do bloco.

Claro que as rodovias ainda apresentam deficiências e falta de vontade política para investir em reformas ou melhorias, no entanto Lourival Martins ainda as considera transitáveis e acessíveis para o propósito do fluxo internacional de cargas. Mesmo com a alta no valor de combustíveis que enfrentamos, particularmente no Brasil, ele lembra que, como o frete rodoviário para o Mercosul é negociado em dólares, o setor não chegou a ser tão prejudicado pelos aumentos. “Nessas rotas, em especial, quando fazemos o comparativo com as opções multimodais, que envolvem nos custos de logística os fretes marítimos ou ferroviários, armazenagem e transbordo, o modal rodoviário acaba levando vantagem por conseguir, em um único veículo, coletar a carga, cruzar a fronteira, liberar a carga e entregar”, relata o fundador do Grupo Martins.

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