Presidente da Fiorde traça panorama do setor e aponta: “o cenário é de preocupação”.

Em entrevista exclusiva ao Guia Marítimo, Milton Lourenço disse que “se o Brasil tivesse uma administração pública com credibilidade e um projeto de Estado para fazer as reformas necessárias, a situação seria mais favorável”.

Dólar flertando desde setembro do ano passado, com o nível de R$ 4, uma crise política descompassada e um Brasil regredindo no Comércio Exterior: “o cenário é de preocupação”, aponta o presidente da Fiorde Logística Internacional, Milton Lourenço.

Em um bate-papo exclusivo com o Guia Marítimo, o executivo traçou um panorama do País e em seu diagnóstico disse que “a competitividade brasileira é diretamente afetada pelo chamado custo Brasil, que engloba alta carga tributária, custos portuários, transportes, encargos trabalhistas, financiamentos, energia e telecomunicações e, finalmente, a regulamentação governamental. Sem contar as deficiências na infraestrutura logística”.

Para ele, planos como o PIL (Plano de Integração Logística), lançado em 2012, surgiram como uma tentativa de modernizar parte da infraestrutura do País, mas, por enquanto, só causaram frustrações. “Basta ver que, em 2012, o governo havia anunciado a construção de 10 mil quilômetros de novas ferrovias, mas nenhum trecho chegou a sair do papel. Para os portos, o governo previa investimentos de R$ 37,4 bilhões, mas, assim como no caso das ferrovias, nenhum projeto saiu da gaveta”, disse.

Para o Guia Marítimo, Lourenço falou ainda sobre a possibilidade de a “crise virar oportunidade”, comentando sobre os altos custos, a burocracia, as tarifas abusivas e a falta de investimentos. Diante de um governo deficitário e tantos problemas por se resolver quais serão os próximos capítulos desse cenário conturbado?

GM – Qual o panorama do comércio exterior hoje?

ML – O cenário é de preocupação, pois o Brasil tem regredido, deixando de ser um país exportador de produtos manufaturados para voltar a ser um exportador de matérias-primas. Dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) mostram que o Brasil, em 2005, contava com aproximadamente 30% de exportações de básicos, e 55% de manufaturados, mas, hoje essa relação, praticamente, inverteu-se: são 35% de manufaturados e 48% de básicos. Para voltar ao patamar anterior, é preciso não apenas investir em inovação da indústria, mas agregar valor aos produtos básicos. Com isso, o País também criará mais empregos. É de se registrar, porém, que a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) apoiou 12.212 empresas no processo de promoção das exportações e internacionalização de seus negócios em 2015, número 14,8% maior do que o registrado em 2014. Para que esse número continue a crescer, é fundamental ajudar as pequenas empresas, como no aumento das linhas de financiamento à exportação e na desburocratização dos trâmites aduaneiros.

GM – Como chegamos a esse ponto?

ML – Hoje, o País paga pelo amadorismo que marcou as três últimas administrações federais que, imbuídas de teorias terceiro-mundistas, relegaram o Brasil a uma posição marginal no processo de dinamização do mercado global, apostando apenas no avanço das exportações para os mercados da América Latina e África, a chamada política Sul-Sul, em detrimento das relações com os Estados Unidos, o maior mercado do planeta, e a União Europeia. Poderíamos ter avançado naqueles mercados periféricos, sem abandonar os mais importantes. Afinal, uma política não invalida a outra. Felizmente, o atual governo, sem alternativas, entendeu que, se persistisse naquela política equivocada, só haveria de agravar a crise. O atual governo procurou se reaproximar do mercado norte-americano e está tentando levar o Mercosul a formalizar um acordo com a União Europeia. Essa, porém, é uma política que leva tempo para ser amadurecida, mas que já apresenta resultados palpáveis na medida em que os EUA voltaram a ser o principal destino das exportações brasileiras.

GM – Qual diagnóstico podemos dar para a logística brasileira? Podemos dizer que a falta de infraestrutura impacta significativamente os problemas que o setor enfrenta?

ML – O ponto fulcral do comércio exterior brasileiro está na existência de uma infraestrutura logística que contribui bastante para que o produto nacional não alcance competitividade internacional. Precisamos investir na cabotagem e nas ferrovias como modais para longas distâncias. Afinal, somos um país com dimensões continentais. Isso não quer dizer que temos de “esquecer” as rodovias. O modelo de parceria público-privada (PPP) é uma ainda alternativa adequada para os casos em que a sua aplicação é viável, pois há locais ainda em que só mesmo com investimento público será possível desbravar sertões. No caso das ferrovias, com o crescimento das exportações do agronegócio e de minerais, parece claro que haverá investidores dispostos a apostar no modal.

GM – A nossa competitividade também é diretamente afetada; quais as consequências disso para o País e para o setor?

ML – A competitividade brasileira é diretamente afetada pelo chamado custo Brasil, que engloba alta carga tributária, custos portuários, transportes, encargos trabalhistas, financiamentos, energia e telecomunicações e, finalmente, a regulamentação governamental. Sem contar as deficiências na infraestrutura logística. Embora não seja usual, como tem ficado claro nos últimos dias, temos de agregar ao custo Brasil também a corrupção generalizada nas estruturas do governo. As consequências disso para o País serão desastrosas, se não houver uma reação da sociedade. Para o setor, igualmente, representarão um crescimento das dificuldades, que exigirão cada vez mais empenho e capacidade gerencial para superá-las ou pelo menos contorná-las.

"O ponto fulcral do comércio exterior brasileiro está na existência de uma infraestrutura logística que contribui bastante para que o produto nacional não alcance competitividade internacional". 

GM – O lançamento de investimentos no setor, como o PIL e planos para melhorar resultados, como o PNE, podem alavancar e "corrigir" os danos colaterais dessa falta de planejamento?

ML – O PIL (Plano de Integração Logística) surgiu como uma tentativa de modernizar parte da infraestrutura do País, mas, por enquanto, só causou frustrações. Basta ver que, em 2012, o governo havia anunciado a construção de 10 mil quilômetros de novas ferrovias, mas nenhum trecho chegou a sair do papel. Para os portos, o governo previa investimentos de R$ 37,4 bi, mas, assim como no caso das ferrovias, nenhum projeto saiu da gaveta. A previsão é de arrendamento de 50 áreas para movimentação de carga em portos públicos, administrados pela União. E 63 autorizações para construção de portos privados, os chamados TUPs. Por enquanto, foram arrendados três terminais no Porto de Santos. Espera-se que a modernização dessas instalações propicie índices de produtividade cada vez maiores, atraindo mais cargas de celulose e de granéis sólidos vegetais. Isso, obviamente, deverá se refletir no aumento da arrecadação da Codesp que, dessa maneira, terá maiores condições para investir na melhoria da infraestrutura portuária. Ao mesmo tempo, espera-se que o PNE (Plano Nacional de Exportações) funcione mesmo como alavanca para corrigir os danos causados pela falta de planejamento e por uma infraestrutura logística arcaica.

GM – Dos pilares anunciados, qual podemos destacar como mais importante?

ML – Dos cinco pilares anunciados pelo governo como a base do PNE, o de financiamento e garantia às exportações é o mais importante, pois se faz necessário aperfeiçoar os atuais instrumentos de financiamento às exportações, como o Proex (Programa de Financiamento às Exportações), nas modalidades equalização e financiamento, o BNDES-Exim e o Seguro de Crédito à Exportação. Só assim será possível atender às demandas de financiamento dos exportadores brasileiros e, portanto, ampliar a participação brasileira no comércio internacional.

GM – Muitos veem na crise oportunidade. Quais oportunidades você enxerga nesse cenário econômico caótico e no logístico em crescimento, porém cheio de gargalos?

ML – Vivemos desde 2008-2009 as consequências da crise mundial, mas, hoje, grande parte das causas que provocaram essa crise está aqui mesmo. E estão em nossas mãos as possibilidades de eliminá-las. Na verdade, os números não são tão assustadores assim. Para 2016, a Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo) espera uma movimentação um pouco menor que a de 2015, ou seja, 119,6 milhões de toneladas, mas é provável que essa projeção seja superada, já que as exportações de soja tendem a crescer, a carga conteinerizada, que, em 2015, chegou a 3,7 milhões de Teus, deverá se manter no mesmo nível, enquanto a carga geral deve alcançar 4,4 milhões de toneladas, impulsionada pela recuperação da celulose e pelo crescimento das vendas de veículos para o exterior. Aguarda-se também uma retomada das importações, que, em 2015, acusaram queda de 6,4%. Em outras palavras: basta que o governo passe mais confiança para que a situação se reverta. Tanto que a crise não impediu que, em 2014, o Brasil tivesse sido o 21º maior importador, com 1,3% do comércio mundial, depois de ter sido o 22º em 2012. Embora tenha uma economia pouco aberta, o Brasil continua como o país preferido para investimentos estrangeiros na América Latina e Caribe. Portanto, se em vez de ter um governo que se preocupa apenas com sua própria sobrevivência, o Brasil tivesse uma administração pública com credibilidade e um projeto de Estado para fazer as reformas necessárias, a situação seria mais favorável.

GM – Altos custos, burocracia, tarifas abusivas, falta de investimentos, governo deficitário. Quais as soluções? O que falta para o Brasil alavancar e ter capacidade para se igualar aos BRICS?

ML – De fato, segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), as taxas de importação cobradas nas alfândegas brasileiras são em média o dobro das aplicadas nas aduanas dos demais países dos Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul). Ou seja, o Brasil continua pouco aberto em termos comerciais com uma taxa de 11% contra a média mundial de 41%, de acordo com a OMC. Isso mostra que o governo brasileiro comete um equívoco quando utiliza instrumentos protecionistas, pois, se beneficia as empresas momentaneamente, acaba prejudicando os consumidores. Ao mesmo tempo, exime-se de sua responsabilidade e ainda posa como defensor da indústria nacional e do emprego do trabalhador. Ocorre, porém, que a chegada desses produtos a preços subvalorizados se dá porque o produto nacional há muito perdeu o seu poder de competição no mercado externo.

GM – Como esses “problemas” poderiam ser resolvidos?

ML – Para corrigir o problema, o governo deveria propor reformas para diminuir o custo de produção, reduzindo a alta carga tributária e os custos da energia elétrica, além de melhorar a estrutura logística e atacar outros fatores que fazem com que o produto nacional tenha um preço final maior que o do importado. Além disso, é preciso abrir mais a economia para que as indústrias possam importar bens de capital (ou bens de produção), ou seja, máquinas e equipamentos que ajudam a transformar matérias-primas em produtos manufaturados. Depois, é preciso que o governo, em vez de beneficiar determinados segmentos, adote uma política de incentivos que beneficie todos os setores, simplificando regras tributárias, trabalhistas e previdenciárias, além de reduzir a carga de impostos e oferecer taxas de câmbio mais favoráveis. Ou seja: é necessário colocar em prática uma política industrial que estimule a inovação e permita renovar a estrutura produtiva, tornando as empresas mais competitivas para que tenham condições de retomar ou expandir mercados em todo o planeta. Recente estudo do professor David Kupfer, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostrou que os bens de capital no Brasil têm em média 17 anos de uso, enquanto a idade média do maquinário na Alemanha é de sete anos, o que deixa claro o quanto estão defasados os equipamentos da indústria brasileira. É preciso, portanto, estimular também a importação de bens de produção.

GM – Quais as expectativas para este ano? Conseguiremos sair dessa crise?

ML – Como a maioria das empresas, a Fiorde, em 2015, procurou cumprir um programa de ajuste em suas contas, fazendo os cortes necessários, mas, mesmo assim, esperamos em 2016 um crescimento de 10%, tanto na parte de assessoria e despachos como no transporte rodoviário. Tivemos de fazer alguns reajustes para enfrentar o atual momento, focando em melhorias na gestão, além de aperfeiçoar os processos para aumentar a produtividade, sem deixar de apostar em crescimento, mesmo quando grande parte das empresas perdia fôlego. Para 2016, a empresa tem previstos investimentos na área de tecnologia da informação e atendimento ao cliente, além de pretender ampliar a sua frota de veículos apropriados para transporte de alimentos, produtos farmacêuticos e correlatos. No cenário nacional, esperamos que haja um acordo político entre os partidos que emita sinais de confiança para o empresariado e a população. Só assim conseguiremos retomar a confiança dos brasileiros. A falta de harmonia que se tem visto entre os três poderes da República só tem causado intranquilidade e temor aos investidores.

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