VGM: a análise legal

Um olhar importante sobre as responsabilidades do embarcador

Muito já se falou sobre a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (em inglês: Safety of Life at Sea - SOLAS), inclusive que teve a primeira versão do tratado aprovada em 1914, pelo famoso naufrágio do navio Titanic, e, que, agora, volta a ter destaque ao definir uma nova exigência para o transporte de containers: a obrigação de pesagem da sua massa bruta a partir de 01 de julho de 2016 (sim, daqui a três semanas).

Como já é sabido, a massa bruta deve ser verificada pelo remetente, em balança certificada, em um dos dois métodos trazidos, que, em suma, dizem que se deve fazer a pesagem da unidade de carga estufada ou pesando todos os pacotes e itens de carga, incluindo a massa dos materiais de fixação e adicionando a massa da tara do recipiente. Isso tudo, sob pena do container não ser embarcado.

O assunto já possui instrução específica, a Portaria n.º 164, de 25 de maio de 2016, da Diretoria de Portos e Costas, que merece atenção especial em alguns pontos.

Inicialmente, vemos que nas definições trazidas na Portaria restaram ausentes algumas figuras indispensáveis para o transporte marítimo, especialmente a definição de “exportador” e de “transportador”, deixando de tratar, ainda, dos “agentes de carga” e do “NVOCC”. Cabe a cada um de nós, portanto, interpretar tais figuras pela análise da natureza jurídica de cada qual, e, claro, ao final, concluir quais são as responsabilidades de cada um deles.

Vale salientar que a Portaria trata do contrato de transporte como “contrato no qual uma companhia de navegação se compromete a transportar mercadorias de um lugar para outro”, o que, tacitamente, nos dá a entender que, para a DPC, o contrato de transporte marítimo apenas poderia ser celebrado com um armador com navio, o que sabemos que não é verdade, indo de encontro, inclusive, com o que trata a IN 800/2007 e diversas outras normas já publicadas, como por exemplo, a própria Solução de Consulta COSIT n.º 257/2014 (que tratou dos intervenientes no comércio exterior, para informações no SISCOSERV).

Sabemos que, na grande maioria das exportações, o real exportador (produtor nacional de um produto, por exemplo) não é o embarcador perante o armador.Importante tratar de tais figuras, pois sabemos que, na grande maioria das exportações, o real exportador (produtor nacional de um produto, por exemplo) não é o embarcador perante o armador, e, ainda, que o contrato de transporte pactuado pelo real exportador pode se dar entre este e um NVOCC brasileiro ou não, mas que, para todos os efeitos, também é um transportador internacional, isto é, um armador sem navio.

Nesta esteira, tendo em mente as relações comerciais e operacionais cotidianas, a grande questão que paira é: caso exista divergência de peso do container e este seja recusado para o embarque, quem será o responsável por todos os gastos que virão (armazenagem, detention, repesagem, despesas com a rolagem da carga, etc.)?

De plano há de se falar que pode o agente de carga, em nome do NVOCC, pedir ao real expedidor o peso certificado dos produtos. Contudo, vale esclarecer que toda e qualquer manobra na tentativa de ilidir ou delegar suas obrigações perante o armador com navio não só pode como será tida como inválida.

Assim precisamos observar duas situações distintas e relevantes, do ponto de vista do agente de carga, quais sejam, se estamos diante de um caso de carga consolidada (LCL) ou container cheio (FCL).

No container com cargas consolidadas (LCL) na exportação, avalia-se como “altíssimo” o risco de o agente de carga apenas se basear nas informações prestadas pelo real exportador e passá-las ao Armador para efeitos de VGM, sem realizar ele próprio a pesagem verificada do container, ao passo que é do agente de carga a responsabilidade pela consolidação das cargas no container, de modo que no LCL o exportador informante do peso certificado em cada HBL não terá a certeza do peso do que mais for necessário para ovar a sua carga (a madeira de peação, por exemplo).

Outro caso é o do chamado container cheio (FCL), em que o próprio exportador se compromete a ovar a unidade com toda a sua carga, lacrando-o e entregando-o no terminal para embarque, sendo o peso certificado informado pelo exportador ao NVOCC. Neste caso pode ser atribuída ao real exportador a responsabilidade pela divergência de peso constatada.

De todo modo, para se assegurar e evitar maiores transtornos, deve o agente de carga embarcador perante o conhecimento de transporte master realizar a sua pesagem certificada do container, antes da apresentação do container no gate do operador portuário para embarque, independente da informação prestada pelo exportador real da carga, para fazer a sua própria verificação, antecipando eventual divergência, eis que, em princípio, é sua a responsabilidade de arcar com as despesas que incorrer a carga pelo não carregamento no navio.

É sabido que, na prática da operação, o agente de carga nesses casos sequer tem contato com carga e container, pois o próprio real exportador se incumbe em retirar o container vazio, ovar e o entregar para embarque. Contudo, agora existe regulamentação para isso e que instituiu a obrigação dos embarcadores de informar o peso VGM, não sendo ilidida tal obrigação sob qualquer argumento, devendo as empresas que atuam como agentes de carga reavaliar sua política interna e logística em relação à tomada da informação do peso verificado do cliente exportador e respectiva prestação que haverá de prestar ao armador como se sua fosse, especialmente em decorrência dos riscos daí advindos.

Caso fique comprovado que a prestação da informação do VGM ao armador sem navio partiu com erro do próprio expedidor da carga, no caso do embarque FCL, a depender do caso em concreto haverá a possibilidade de pedir o ressarcimento dos prejuízos em que incorrer.

Logo, exportadores juntos aos agentes de carga, bem como agentes de carga, agências marítimas e terminais devem se organizar, para estabelecer uma prestação de informações em cadeia benéfica a todos e envolver suas respectivas áreas jurídicas no intuito de salvaguardar seus direitos, para que as novas condições que brevemente estarão vigentes sejam respeitadas integralmente, afastando quaisquer inconvenientes pelo seu descumprimento.

Passo seguinte, importante frisar que a Portaria 164, no item 4.8, determina que:

“O embarcador deve assegurar-se de que a massa bruta verificada do container seja informada ao armador e ao terminal com antecedência suficiente em relação ao carregamento do navio. O modo pelo qual o embarcador fornecerá esse dado ao navio, ao armador e ao terminal, deverá ser acordado entre as partes. A maneira de informar esse dado deverá ser, preferencialmente, através de meio eletrônico. Independentemente da forma, a declaração da massa bruta verificada deverá ser assinada por uma pessoa devidamente autorizada pelo embarcador, com a identificação do seu CNPJ, CPF ou o número do Passaporte.” (grifos nossos)

A DPC deixou em aberto dois pontos importantes: prazo e modo do envio da informação do VGM ao terminal, armador e navio.Vemos que, neste item, a DPC deixou em aberto dois pontos importantes: prazo e modo do envio da informação do VGM ao terminal, armador e navio. Atualmente terminal, agência marítima (representante do armador) e navio já possuem sistema inteligente interligado, de modo que se conversam para informar um ao outro em tempo real tudo que é necessário (excelente trabalho feito pelas equipes de Tecnologia da Informação e respectivos investimentos na área, diga-se de passagem), a saber: os containers descarregados, o “pré” plano do navio, os containers para carregar e o plano do navio pronto, cuja cópia, inclusive, é enviada, também, pelo terminal, diretamente ao Capitão da embarcação.

O peso verificado do container para exportação já é comumente verificado pelo terminal no gate, cuja informação já alimenta o sistema de inteligência e logística virtual e, então, tal informação segue via sistema para a agência marítima do armador, inclusive se por conta disso (peso ou outros motivos) o plano do navio tiver que ser alterado.

Assim, o prazo e a forma da prestação da informação do VGM pelo embarcador é ponto a ser discutido no fechamento do booking, eis que, ali, apenas se terá o peso aproximado da carga, cujo prazo deve ser observado pelo agente de carga, se for o caso, na cadeia anterior, para adequar o tempo que possui e acordar junto ao real exportador da carga o prazo e a forma da prestação de tal informação (até para não ficar sem prestar a informação ao armador).

Outra questão que muito chamou a atenção no mesmo item 4.8 foi a de que a declaração da massa bruta verificada deverá ser assinada por uma pessoa devidamente autorizada pelo embarcador, com a identificação do CNPJ da empresa embarcadora ou o CPF ou o número do Passaporte da pessoa física embarcadora, exigindo-se os mesmos dados de quem assinar pela empresa embarcadora. Especificamente em relação a este ponto não há maiores problemas, pois se trata tão somente de uma formalidade adequada à prestação da informação, para a identificação de seu declarante, especialmente para comprovar a sua qualidade de empresa ou pessoa física embarcadora e representante legal de um ou outro, não trazendo para si responsabilidades adicionais àquelas que já estão apontadas nas normas e na legislação.

Por Thiago Aló da Silveira, Advogado, Associado de Ruben Viegas – Eliana Aló Advogados Associados e Pós-Graduado em Direito Tributário pela PUC/SP.

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1 Comentário

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    Paulo Prol Medeiros

    13/06/2016 08:00

    Com relação ao trecho : "caso exista divergência de peso do container e este seja recusado para o embarque", gostaríamos de esclarecer que não existe a intenção por parte dos armadores de recusar embarque devido a divergência, apenas na FALTA do VGM deverá ocorrer o corte.