Um mês de VGM

Nenhum container foi deixado para trás, não houve gargalos e nem interrupção de cadeias de suprimentos, porém ainda há questões para solucionar

Completamos nesta semana um mês de operações após o início da vigência da norma internacional de verificação de pesagem de containers (VGM) estabelecida pela convenção de segurança SOLAS da IMO (International Maritime Organization). Segundo a emenda à SOLAS, a partir do dia 01 de julho de 2016, todos os containers embarcados em navios deveriam apresentar o peso bruto certificado (VGM – verified gross mass), uma norma de alcance global cujas adaptações seriam feitas dentro do código de leis de cada país signatário.

Os meses que antecederam a aplicação da nova regra foram marcados por confusões, dúvidas e impasses tanto da comunidade de embarcadores quanto de produtores, terminais, armadores e portos. Para promover debates e esclarecer dúvidas, o Guia Marítimo organizou, em junho de 2016, o Seminário VGM, que reuniu setores envolvidos com o transporte marítimo, autoridades reguladoras e, especialmente, embarcadores, mantendo também um canal aberto para tirar dúvidas diretamente com os órgãos competentes e associações representativas como o  DPC, Centronave, Sindicomis, ABTRA, ABAC, entre outros (Leia no Guia).

O fato é que, mesmo depois do início da vigência das novas regras, ainda há países signatários que não divulgaram as próprias diretrizes nacionais para o cumprimento da exigência, de acordo com um relatório publicado pelo TT Club. Vinte dias após a implantação do VGM, a porcentagem de países signatários da SOLAS cujos códigos reguladores haviam incorporado as normas da IMO não passava dos 20%.

Somem-se a isso as incertezas acerca dos métodos para se obter a certificação aferida do VGM ou os padrões exigidos pelas autoridades competentes. Alguns players ainda reclamam sobre o peso de tara informado nos equipamentos, que muitas vezes não condiz com a realidade – ou são simplesmente informações difíceis de se obter quando se trata de grandes quantidades de containers. Para solucionar essa questão, tanto as companhias de navegação quanto o cadastro internacional de containers BIC começaram a listar em um banco de dados on-line as taras dos containers ISO registrados por cada companhia.

Fabricantes de balanças fizeram seus esforços também, na tentativa de unificar os padrões de pesagem e produzir novos equipamentos para suprir mercados onde a pesagem não fazia parte do procedimento normal – o que dificilmente foi o caso do Brasil, onde os terminais já realizam a pesagem para todos os embarques. Com a alta demanda por novos equipamentos, houve alguns atrasos em algumas partes do mundo, que registraram problemas com o cumprimento das normas.

As questões não pararam por aí: uma série de medidas foram implantadas para permitir mais flexibilidade à aplicação da norma, extremamente dependente da precisão dos equipamentos. Alguns países estipularam margens de erro de 2 a 5%, alguns deles acrescentando regras matemáticas para compor a aplicabilidade das regras.

A aplicação das regras em alguns países foi tão confusa, e com penalidades tão variadas que certos embarcadores chegaram a comentar que seria mais fácil e menos oneroso correr o risco de uma multa ocasional do que incorrer nas despesas advindas das exigências para o cumprimento da norma.

Então o problema mais substancial começou a aparecer: os prestadores de serviços da cadeia logística passaram a cobrar pela obtenção do VGM, desde portos até terminais, armazéns e outras instalações. Junto com as cobranças, vieram os atrasos no envio da informação do peso dos containers, o que seria o ponto central da nova norma, uma vez que, sem a devida antecedência, os armadores perderiam a capacidade de programar a distribuição das cargas nos navios.

A indústria, por outro lado, passou a levantar questionamentos sobre os efeitos práticos esperados pela nova regra da IMO: com as tolerâncias, as manobras e os contornos das situações, o propósito central de segurança estará sendo atendido? Ou o novo cenário somente incluiu mais etapas ao já complicado procedimento de embarques, sem atingir de fato o objetivo de aumentar a segurança marítima?

Segundo o relatório do TT Club, a novidade agora está na verificação do peso, ou seja: na sua certificação, por meio da qual se promete mais precisão às informações prestadas. Também foram imputadas ao embarcador as responsabilidades por essas informações, e ao armador, o compromisso de não embarcar cargas sem o envio do VGM.

Na prática, por mais que o mercado temesse que o comércio mundial fosse parar, deixando cerca de 60% de seus containers para trás, com gargalos nos portos, rodovias e aeroportos, nada disso aconteceu. O comércio internacional não parou, os containers não estão se amontoando nos portos para pesagem ou para envio de dados, e o exportador se adaptou.

Organizações que trabalharam em conjunto com a IMO para a elaboração das regras, como a ICHCA, World Shipping Council e o próprio TT Club, vêm acompanhando o desenrolar das novas regras mundialmente, por meio de seminários, workshops presenciais ou eletrônicos e pesquisas. Desenvolveram também um apanhado de perguntas e respostas com base nas experiências deste mês inaugural das regras, que pode ser acessado aqui. Ainda em agosto, a ICHCA deve lançar uma nova pesquisa, com a qual embarcadores, terminais, armadores e players do mundo todo poderão contribuir. E finalmente, em setembro, a IMO já divulgou que deverá fazer um balanço dos primeiros meses de operação para avaliar se há necessidade de adaptações à nova regra.

VGM no Brasil

Pesar os containers que embarcam no Brasil já era um serviço integrante do procedimento normal dos portos e terminais antes da aplicação da nova norma. Duas questões foram novidade para o mercado brasileiro, no entanto. A primeira delas foi a obtenção da certificação, que foi resolvida por uma série de prestadores de serviço. Certamente as novas exigências significaram novos custos para o embarcador, porém o atendimento à norma não foi tão complicado.

A segunda questão, no entanto, é um pouco mais estrutural: o formato de envio das informações ao armador. Com sistemas que variam bastante, e dificuldades de interface, os envios têm sido muito heterogêneos, alguns deles por meio de planilhas, outros pelo site do armador, outros por ferramentas desenvolvidas para o atendimento à norma, como o eVGM do INTTRA, e até por e-mail. Segundo Paulo Prol Medeiros, Documentation Manager da Maersk Line, por enquanto, o armador ainda tem se adaptado às várias versões de documentos recebidos, sem repassar o custo aos clientes, porém, a partir do dia 15 de agosto, a empresa já avisou que os chamados para que o embarcador cumpra o deadline deverão acabar, e a companhia vai anunciar, com antecedência, a cobrança nos casos em que as informações de VGM não chegarem no formato eletrônico com EDI, que permite a interface com o sistema de documentação da companhia. O valor deverá ser equivalente a US$ 30 por unidade de container. 

Com a nova ferramenta eVGM, o INTTRA anunciou no último mês uma série de parcerias com embarcadores, armadores e terminais, oferecendo, entre outras vantagens, justamente a possibilidade de garantir interface entre sistemas diferentes para o envio do VGM, uma vez que a norma da IMO estabelece que os envios devem ser preferencialmente digitais.

De acordo com Lucas Rodrigues Alves, Supervisor de Prontificação de Cargas da Maersk Line, o esforço do armador para que nenhum container ficasse para trás neste primeiro mês foi bastante significativo, porém é insustentável. “Fazemos até três contatos com o exportador, começando com três dias de antecedência ao deadline, por telefone, até recebermos as informações do VGM a tempo, mas em algum momento isso vai parar”, avisa.

De uma maneira geral, a Maersk avalia que o primeiro mês de aplicação da nova regra da IMO foi bastante satisfatório e que há cada vez menos atrasos. Há também pouca discrepância entre as pesagens realizadas dentro e fora dos terminais e, nesses casos, de acordo com as instruções da própria IMO, estão sendo considerados os valores aferidos pelas balanças dos terminais. A empresa ainda não disponibilizou para os clientes um banco de dados com a tara de cada container, mas já fez uma tabela com o peso médio de cada tipo de equipamento.

Do lado do embarcador, Marco Aurélio Dias, da Frette Logística, diz que as coisas andam correndo bem, muito embora o custo tenha realmente aumentado – e que o primeiro mês de funcionamento do VGM aconteceu sem grandes sustos.

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do Guia Marítimo. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.