O novo "normal"

Cinco questões para se discutir sobre o futuro da navegação

Em sessão transmitida por meio de webcast, o correspondente da IHS Maritime, Richard Clayton, discutiu os rumos da indústria do transporte marítimo, questionando se estamos adentrando em um momento de transição, ou estaríamos simplesmente vivendo o “novo normal”.

Clayton descreveu a trajetória econômica após a crise financeira americana de 2008, resumindo o período como a queda de um precipício, seguida por tentativas de voltar para topo, o engano do mercado ao pensar que havia encontrado soluções, com base muito mais em esperança do que em expectativa e, finalmente, por volta de 2014, a percepção mais clara de que estávamos adentrando uma nova era. Essa percepção, segundo ele, se deu no momento em que a economia chinesa começou a se retrair, atingindo (ainda impressionantes) 7% de crescimento do PIB, que assustaram o mercado, já acostumado com os 15% de crescimento anual que o país sustentava desde a sua admissão no mercado internacional pela OMC, no início do milênio.

Culminando com a refreada chinesa, os preços do petróleo começavam a assustar o mercado e inverter todas as bases econômicas, ao atingir a marca dos US$ 30 dólares, um terço do valor praticado até então. “Um abalo sísmico”, descreveu Richard Clayton ao definir o momento que caracterizou o ano de 2015.

Alongando a sua visão de uma década após a crise, Clayton coloca as novas encomendas de navios como marcantes do ano de 2016, o que tende a piorar as perspectivas, trazendo para 2017 o cenário da supercapacidade e, finalmente, em 2018, a clareza sobre qual será o novo cenário. Tão novo que ainda há muito mais dúvidas do que perspectivas, e uma dificuldade imensa de convencer investidores de que a indústria da navegação tem um negócio a oferecer. “Como podemos oferecer taxas de retorno atrativas se nenhum economista hoje em dia consegue entrar em consenso sobre como será o crescimento global?”

Para abordar o novo cenário, Richard Clayton listou cinco questões primordiais que terão influência direta na forma como desenharemos o “normal” daqui para frente.

1- O que está de fato acontecendo com a China e o que isso significa para o shipping?

Em 2001, quando a China foi integrada ao mercado pela Organização Mundial de Comércio, poucos podiam imaginar como o país iria dominar a economia mundial, abocanhando metade do mercado em container na rota do transpacífico e orquestrando todo o setor de minério de ferro em países como o Brasil e a Austrália. Quando o crescimento do PIB chinês caiu para 7% em 2014, muitos países se assustaram, muito embora a China já tivesse chegado a um patamar em que crescer 7% ainda era tão grandioso quanto os notáveis 15% do início, quando chegou a absorver 35% da economia mundial.

Os números demonstram ser bastante improvável que a China reverta esse caminho, mesmo com a diminuição do ritmo de crescimento. O fato é que o país reestruturou sua posição, de uma casa de exportações para uma potência guiada pelo setor de serviços, com um novo ambiente de consumo interno.

No ano de 2015, a indústria do serviço absorveu a maioria dos empregos perdidos na manufatura. E as teorias sobre o motivo da guinada podem se dividir em duas correntes: primeiro, porque não era sustentável manter o crescimento àqueles níveis; e segundo, porque reflete o amadurecimento do mercado.


Os novos caminhos da China merecem uma reavaliação da maneira como a indústria da navegação faz seus negócios, uma vez que a redefinição do mercado chinês tem impacto global. Vemos o declínio da demanda por aço, mesmo com as indústrias ainda importando minério e carvão, e exportando produtos acabados que mal cobrem os custos (somente em 2015, o país produziu um excedente de 440 milhões de toneladas).

E, no entanto, com as novas tendências de consumo nos Estados Unidos e Europa, que reduziram os níveis de compra de produtos manufaturados da China, será que estamos chegando ao novo normal, com uma demanda de embarques infinitamente menor?

2- Para onde vai o preço do petróleo e como isso interfere na economia?

Assim como a demanda por produtos, a do petróleo também está enxergando uma queda. A questão dos preços do barril, no entanto, é bem mais complicada do que uma equação econômica ou uma teoria de mercado. Tratam-se de decisões de altíssimo nível entre o Irã, a Arábia Saudita, os Estados Unidos e a Rússia, na tentativa de evitar que seus concorrentes ganhem mercado. Talvez o novo normal não sustente o preço do barril de petróleo nos atuais US$ 35 por barril, mas retorne os patamares para perto dos 50 dólares. E é provável, embora não absolutamente certo, que o enfraquecimento do petróleo como fonte de energia mundial também seja a nova tendência. Os países vêm priorizando a busca por energias renováveis, em busca de melhor equilíbrio. Isso afetará diretamente os estaleiros asiáticos e a indústria da navegação. Entretanto, por mais diretas que sejam as consequências para o setor, neste caso, a indústria marítima está em posição muito mais passiva do que ativa: deverá observar e acompanhar os desfechos sem muita possibilidade de intervenção.

3- Como ficará o mundo da navegação com as grandes fusões e alianças?

Por muitos anos, a navegação mesclou negócios familiares com multinacionais de grande porte, que lutavam sozinhos com as intempéries do mercado, sofrendo riscos ou tirando partido das vantagens circunstanciais. Nas últimas duas décadas, a navegação enxergou a oportunidade de investir em tamanho para ganhar escala e fazer uso de produtos unificados, oferecendo serviços mais baratos com melhor utilização. A consolidação se tornou uma característica no mercado, com as companhias maiores adquirindo as menores, trabalhando em conjunto e otimizando seus serviços. Como consequência, diversos estaleiros sofreram a queda de demanda, exceto os poucos que puderam se especializar na construção de meganavios.

As fusões das comanhias é somente mais um estágio, ou desta vez elas marcam algo diferente? Segundo Richard Clayton, a década de 2008 a 2018 será vista no futuro como a era da reestruturação: “hoje já temos 20 companhias que transportam 4/5 de todos os containers do mundo”, exemplifica, e garante: “O novo normal não é a consolidação das empresas por si só, mas uma indústria mais saudável”.

A miscigenação, no entanto, pode trazer consequências. Segundo o especialista, é bem possível que venhamos a presenciar desequilíbrios culturais em meio às fusões de corporações diferentes – e alguns desastres em meio aos sucessos.

4- Qual o impacto da Revolução digital 4.0 sobre a navegação?

A revolução digital pode ser muito mais disruptive para a navegação do que para outros mercados, segundo Richard Clayton – especialmente em termos de cyber-crimes. Segundo ele, a chamada Indústria 4.0 (Leia no Guia) reflete o progresso, com a internet das coisas, o business intelligence, o Big Data. E ela tende a chegar muito mais rápido do que imaginamos, permitindo que as embarcações sejam controladas à distância, planejadas, previstas, otimizadas. No entanto, ao passo que veremos benefícios com os avanços, o nosso principal desafio é a necessidade de manter uma cadeia segura para a indústria, o que hoje ainda é bastante difícil – ou impossível.

Ninguém consegue ainda garantir absoluta segurança nos meios digitais. Segundo o FBI, as empresas se dividem em dois grupos: as que já foram hackeadas e as que ainda serão. No entanto, se a navegação cada vez mais conectada será o novo normal, o que se espera para a tripulação mundial? A base de conhecimentos? As carreiras? Por mais controversa que possa parecer, no entanto, a situação já é uma realidade.

5- Qual é afinal a função primordial do transporte marítimo?

A última questão levantada por Richard Clayton diz respeito ao papel da navegação na cadeia mundial de suprimentos. “A navegação serve ao mercado”, diz ele, reforçando que é uma indústria que não sobrevive no vácuo. “Ela depende de exportações, importações, da balança comercial dos países, da produção, do consumidor”.

Mais do que o transporte porto a porto, a navegação hoje também depende das redes de distribuição – operadores de navios hoje em dia são até mais conhecidos pelas suas atividades de entrega nas malhas rodo e ferroviárias do que pela navegação em si. De modo que as linhas de comunicação precisam se manter abertas, transparentes e fortes.

Com o crescimento da tensão dos meganavios, as empresas de operação portuária e distribuição terão capacidade de manter o controle dos serviços? Na medida em que as embarcações gigantescas começam a acessar os portos, elas podem criar gargalos e prejudicar a eficiência da distribuição. Clayton compara o novo fluxo àquele gerado pelos navios de cruzeiro, os quais despejam em pequenas ilhas milhares de turistas ávidos por explorar o terreno despreparado, causando desequilíbrios ecológicos, econômicos, estruturais.

E termina a transmissão com a pergunta: as dimensões gigantescas são o novo normal ou a questão do tamanho vai dar início a uma série de prejuízos na eficiência da cadeia logística?

Entre os conselhos deixados por Richard Clayton, estão: criar medidas para que a indústria mundial passe a ser menos dependente da China, fragmentar menos a indústria para garantir mais eficiência, dirigir esforços para aumentar a segurança dos meios digitais e batalhar pela eficiência no setor de navegação, para garantir o funcionamento das cadeias de suprimento.

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