ASPECTOS INTERNACIONAIS DA ARBITRAGEM MARÍTIMA NO BRASIL (primeira parte)

Dr . José Gabriel Assis Almeida e Dr. João Marcelo Sant'Anna explicam as possibilidade concedidas pelo direito brasileiro de arbitrar, no Brasil, conflitos marítimos estrangeiros ou internacionais

Durante muitos anos as arbitragens envolvendo litígios marítimos brasileiros (e sul-americanos) foram realizadas no exterior. A escolha de países estrangeiros como local de sede dos tribunais arbitrais e o recurso a instituições arbitrais estrangeiras tem, como é manifesto, alguns graves inconvenientes, sendo os principais o custo e a logística.

Assim, nos últimos tempos, a comunidade marítima brasileira (e sul-americana) tem olhado com simpatia os movimentos no sentido de atrair para o Brasil estas arbitragens. Um exemplo de tais movimentos foi a criação, em 2015, do CBAM Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima, habilitado a administrar arbitragens em todo o Brasil.

No entanto, não basta existirem centros de arbitragem capazes, nem árbitros competentes. É preciso que a ordem jurídica brasileira favoreça, ou pelo menos não crie obstáculos, as arbitragens internacionais no Brasil.

O propósito deste texto é, assim, em uma primeira parte, examinar a possibilidade, concedida pelo direito brasileiro, de arbitrar no Brasil, conflitos marítimos estrangeiros ou internacionais. No entanto, não basta que a ordem jurídica brasileira reconheça a possibilidade de serem solucionados, por arbitragem, no Brasil, conflitos marítimos internacionais. É preciso também examinar se a ordem jurídica brasileira é permeável à recepção de decisões arbitrais estrangeiras, pois, muitas vezes, o que será objeto da segunda parte.

A. Competência de Tribunal Arbitral instalado no Brasil para arbitragens internacionais e estrangeiras.

Antes de determinar se um tribunal arbitral brasileiro pode decidir uma arbitragem internacional, é preciso, por pressuposto, definir o que é uma arbitragem internacional ou estrangeira e uma arbitragem nacional.

Esta questão já foi decidida, ainda que indiretamente, pelo Superior Tribunal de Justiça segundo o qual: “4. No ordenamento jurídico pátrio, elegeu-se o critério geográfico (ius solis) para determinação da nacionalidade das sentenças arbitrais, baseando-se exclusivamente no local onde a decisão for proferida (art. 34, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96). 5. Na espécie, o fato de o requerimento para instauração do procedimento arbitral ter sido apresentado à Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional não tem o condão de alterar a nacionalidade dessa sentença, que permanece brasileira.” (REsp 1231554 / RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 24/05/2011).

Assim, uma arbitragem será brasileira se o tribunal arbitral tiver sede no Brasil, ainda que todos os árbitros sejam estrangeiros ou domiciliados no exterior e que o centro de arbitragem que organiza a arbitragem seja estrangeiro. Por outro lado, será estrangeria a arbitragem se o tribunal arbitral tiver sede no exterior, ainda que todos os árbitros sejam brasileiros ou domiciliados no Brasil e que o centro de arbitragem que organiza a arbitragem seja brasileiro.

O passo seguinte é determinar se o tribunal arbitral com sede no Brasil pode julgar apenas litígios brasileiros ou pode julgar litígios internacionais (ou seja, aqueles que envolvem mais do que uma ordem jurídica) ou estrangeiros (isto é, aqueles que envolvem apenas uma ordem jurídica estrangeira).

A Lei 9.307/96 não fixa qualquer limite à competência dos tribunais arbitrais brasileiros para arbitrar litígios internacionais ou estrangeiros.

Na ausência de qualquer regra prevista na Lei 9.307/96, resta saber, de forma mais geral, se seria contrário à ordem jurídica brasileira a atribuição, pelas partes, de tal competência a um tribunal arbitral com sede no Brasil.

O novo Código de Processo Civil determina, no art. 22, III, ser competente a autoridade judiciária nacional quando “[...] as partes expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional”. Este inciso consagra a autonomia privada como critério de atribuição de jurisdição. Ora, um tribunal arbitral com sede no Brasil é uma autoridade judicial, ainda que não judiciária, brasileira. E como a arbitragem, no Brasil, ainda é consensual, a atribuição de competência a um tribunal brasileiro decorrerá, necessariamente, de submissão expressa ou tácita das partes.

Deste modo, é fácil concluir ser possível a um tribunal arbitral com sede no Brasil arbitrar litígios internacionais ou mesmo estrangeiros.

Note-se, por ser importante, que a participação de parte estrangeira em arbitragem promovida perante um tribunal arbitral com sede no Brasil não a sujeita à prestação de caução às custas e aos honorários. Essa obrigatoriedade de prestação de caução aplica-se, apenas, aos processos judiciais.

Além da inexistência de vedação, a submissão de um litígio marítimo a um tribunal arbitral com sede no Brasil tem uma grande vantagem. É que a sentença por ele proferida será considerada uma sentença brasileira, conforme o acórdão do STJ acima citado, e poderá pode ser imediatamente executada no Brasil. Esta é uma apreciável vantagem sempre que a parte vencida for sociedade brasileira ou for sociedade que tenha bens no Brasil para responder pela execução da sentença arbitral. Com efeito, em tal situação a sentença está dispensada dos mecanismos de reconhecimento pelo STJ para ser executável no Brasil, que é objeto da segunda parte deste artigo a ser publicada no próximo artigo online do Guia Marítimo.


Escrito por:

Falando Direito

Sessão dedicada aos profissionais de Direito que mantêm parceria com o Guia Marítimo.



Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do Guia Marítimo. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.