Brasil deve diversificar mercados para acordos automotivos, diz especialista

Para Kramer, os interesses no setor automotivo entre Brasil e Argentina não são 100% convergentes, “por isso fluidez do comércio bilateral vem sendo afetada”

Prestes a expirar, em junho desse ano, o acordo automotivo entre Brasil – Argentina tem sido um dos temas centrais nas reuniões da Comissão Bilateral entre os dois países. Os representantes dos governos tentam avançar nas negociações com um objetivo único: discutir temas referentes às relações comerciais. Porém sem consenso sobre o tema, ou seja, sem resultados para essa prorrogação, os governos decidiram convidar o setor privado para participar das discussões.

Na opinião da advogada especialista em comércio internacional do L.O. Baptista-SVMFA, Cynthia Kramer, os interesses no setor automotivo entre Brasil e Argentina não são 100% convergentes, por isso essa “fluidez” do comércio bilateral vem sendo afetada. “Parece-me que os países não estão em busca de cooperação, mas ambos estão buscando ser exportadores do produto acabado. Com objetivos concorrentes, e não complementares, dificilmente Brasil e Argentina conseguirão fluidez nesse comércio bilateral”.

Outro fator impactante para essa melhora e crescimento apontado pela especialista é o fator custo Brasil: tributário, logístico e trabalhista. “A baixa integração às cadeias globais de valor, ou seja, a indústria brasileira não importa os insumos mais baratos do mundo, para poder produzir e exportar com maior competitividade”.

Dividindo um histórico bastante antigo no setor automotivo, a especialista lembra o “Acordo de Complementação Econômica (ACE18)”, em 1988, onde os países assinaram um protocolo com vistas a regular as importações e exportações relativas a esse segmento da indústria. Além dele, ela ressalta ainda o “Acordo sobre a Política Automotiva Comum” firmado entre os dois países em 2001, “o qual vem sendo renovado (ou não) anualmente, e alterado conforme a CAC (Cláusula de Adaptação Competitiva) que se baseia em um coeficiente obtido a partir da relação entre os índices de exportação e importação”.

O que segundo ela na prática, beneficiou as exportações brasileiras, e nem tanto as exportações argentinas. “Motivo pelo qual a Argentina não tem se mostrado favorável à renovação do acordo nas bases até então vigentes”, ressaltou. O acordo hoje em vigor – o Brasil pode vender com isenção de impostos no máximo US$ 1,5 para cada US$ 1 importado da Argentina – vence no próximo dia 30 de junho.“O setor privado deve mapear as barreiras tarifárias e não-tarifárias no mundo para que consiga identificar novas oportunidades. Alguns acordos de preferência tarifária já firmados podem ser utilizados. Com países com os quais o Brasil ainda não firmou acordos, cabe ao setor privado buscar assessoria e levar ao governo suas necessidades”.

O acordo automotivo entre os países, de acordo com o governo argentino, traz a ideia de elevar a integração produtiva, no entanto, o livre comércio por enquanto não está sendo levado em consideração, por conta da ociosidade da indústria. “A ideia da integração produtiva é adquirir maior competitividade”, explica.

De acordo com dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), 80% das exportações brasileiras de automóveis de passageiros têm por destino a Argentina. Aproximadamente 45% das importações de automóveis pelo Brasil tem por origem a Argentina.

O que segundo Kramer, para a Argentina, no quesito livre comércio nesse segmento não é interessante, “e somente poderia ter interesse no comércio de partes e peças para veículos (não no veículo acabado), pois nesse segmento, as importações da Argentina para o Brasil são em maior volume que as do Brasil para a Argentina”. Ainda de acordo com a especialista os efeitos positivos para o Brasil seriam a possibilidade de importar partes e peças sem pagar impostos, e exportar veículos acabados a um valor mais competitivo, e sem taxação, integrando-se um pouco mais na cadeia regional de valor para esse produto.

Soluções

Para Kramer é difícil saber, de fato, o que ajudaria o Brasil em termos de acordos. Mas ressalta que a contribuição do setor privado é essencial para que o governo consiga identificar quais os setores com capacidade exportadora para que possa firmar acordos que os beneficie.

Nesse sentido, o acordo firmado com o Peru (Clique Aqui) é visto pela especialista como uma estratégia saudável, entretanto ressalta: “Não adianta apenas nos unirmos a países com baixo potencial exportador e demanda limitada por nossos produtos. Temos que buscar mercados que precisam de nossos produtos e consigam exportar para o Brasil insumos necessários para nos integrarmos de maneira mais efetiva nas cadeias globais de valor”.

Porém, para ela ainda é prioritário estabelecer uma parceria efetiva, com divisão de trabalho, e benefícios para ambos os países. “O trabalho conjunto do setor privado e do governo é essencial para que os objetivos da indústria automobilística brasileira sejam alcançados. A assessoria especializada também é de fundamental importância para que essa relação seja eficiente”.

Mercosul

No quesito “papel do Mercosul”, a especialista aponta a necessidade de reestruturação do bloco. “Não adianta implementar nenhuma alternativa para agilizar o processo de tomada de decisões se os interesses das Partes Contratantes permanecerem conflitantes. Enquanto acordo que busca a integração regional, os países do Mercosul deveriam buscar funções cooperativas para impulsionar as economias de todos os Estados Partes”. Para ela, o Mercosul deveria ser visto como uma equipe: “cada um tem um papel distinto, essencial para o funcionamento geral. O problema é que, no Mercosul, sequer sabemos o papel de cada Estado Parte”.

Para o futuro automotivo, Kramer aponta que assim como outros setores, o automotivo também sofre bastante com a crise e aponta: “Não há demanda interna no território brasileiro”. E alerta que após a eleição de Macri, a Argentina, tem se mostrado mais aberta ao comércio exterior e tem conseguido, ainda que a passos lentos, sair da crise. “A saída para o Brasil parece estar mais distante e, nesses casos, investir no mercado externo, com a busca inclusive de novos mercados, seria uma alternativa”. Ela finaliza dizendo ainda que “o Brasil tem grande potencial para importação de insumos para os automóveis, e exportação do veículo acabado. Importante focar nos objetivos para que possam ser atingidos”.

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