Comércio exterior brasileiro: começará algum dia?

Todos aqueles que militam há décadas no comércio exterior, como nós, devem se perguntar a mesma coisa. Que importância, alguma vez na nossa história, teve essa atividade? A resposta é uma só. Quase nenhuma. Se analisarmos o nosso comércio exterior, veremos que ele representa, normalmente, ao longo das décadas, em média 1,0% das transações internacionais de mercadorias. Quer dizer, US$1,00 em cada US$100.00 comercializados no mundo. Tomando a China como exemplo, em 1980 nós éramos 0,98% e eles 0,88%. Hoje somos 1,0% e eles 11,0%.

Mesmo não sendo lá muita coisa, já representamos bem mais no passado. Em 1950 nossa exportação era de 2,37% da mundial. E a importação foi de 1,51%. Com média de 1,94% do comex mundial. Em 1951 exportação de 2,28% e importação de 2,06%, com média de 2,17% da mundial. E aí fomos caindo, chegando, em várias ocasiões, a estar abaixo de 1,0%.

Voltamos a ter algo mais considerável, acima disso, em 2011, quando nosso comex chegou a 1,35% do mundial, representado por exportação de 1,43% e importação de 1,27%. Com US$ 254 bilhões em exportação e US$ 228 bilhões em importação, numa corrente de comércio de US$ 482 bilhões. Mas, nada perto, sequer, de 1950, e o que representamos em território, população e Produto Interno Bruto – PIB, para pegarmos três parâmetros razoáveis. Levando isso em conta, o mínimo que deveríamos representar é uns 2,5%.

E, se considerarmos a relação com o PIB, a situação também é muito desconfortável. Enquanto o comércio mundial é de cerca de 42%-45% do Produto Interno Bruto Mundial – PIBM, o nosso comércio exterior representa, tradicionalmente, 17-20% do nosso Produto Interno Bruto – PIB. Já foi de 26,5% em 1954. E caiu a 9,9% em 1967. Portanto, em permanente gangorra.

Isso quer dizer que estamos abaixo da metade da média mundial. Se estivéssemos no nível mundial, nosso comex seria mais do que o dobro do que é hoje. Nada excepcional, mas, teríamos, pelo menos, uma condição melhor do que a de 1950, com uns 3% do comex mundial.

Considerando que somos, fisicamente, o melhor país do mundo, deveríamos estar perto do que a China representa.

Afinal, temos o maior território agricultável do mundo. Cerca de 12,0% da água doce existente no planeta está sob nossos pés. Temos Sol praticamente o ano inteiro. Uma costa marítima de aproximadamente 8.000 quilômetros, que sequer usamos para termos uma matriz de transporte mais adequada, com a cabotagem sendo o modo mais importante internamente. Em especial que temos, entre grandes países territorialmente, a pior matriz de transporte entre todos eles. Nem sequer somos muito representativos em produtos tirados do mar.

Uma floresta sem igual, praticamente preservada, com pouca perda desde o descobrimento. E muito poderia ainda ser elencado como vantagens.

E, sem as desgraças que caracterizam muitos países, como terremotos, vulcões, furacões, etc.

Quer dizer que somos, no conjunto da obra, um país privilegiado pela natureza. Igual a nenhum outro. Ninguém no mundo tem este conjunto físico a seu favor.

No entanto, não sabemos aproveitá-los, e nunca soubemos. Resta a esperança de algum dia isso se tornar uma realidade.

O que nos coloca em duas situações distintas. Por um lado, numa posição altamente desconfortável. Por outro lado, em condição “privilegiada”. Com nosso ínfimo comex, é possível e temos campo para crescer, e muito.

Em especial, considerando que há países que não têm nada perto do que temos, e representam muitos mais que isso. Vide o Japão, por exemplo, que nada tem, além de um território pequeno, onde mal cabe a sua população. É um dos principais players do comércio mundial, bem como seu PIB é enorme.

Outro exemplo gritante é Netherlands (países baixos), erroneamente conhecido e chamado por Holanda. Um erro grosseiro, já que esta é apenas uma das doze províncias daquele país. Aliás, bem oportuno lembrar, que agora é lei em Netherlands desde 01/01/2020, que o país não deve mais ser chamado de Holanda.

Agora, em 2021, muitos ficaram entusiasmados, em mais um ufanismo irreal, soltando fogos porque o país atingiu US$ 500 bilhões de dólares em nossa corrente de comércio. Tendo exportação de US$ 280,6 bilhões e importação de US$ 219,4 bilhões, Com saldo de US$ 61,2 bilhões de superávit comercial. Esquecem que continua sendo quase nada, não representando cerca de 1,4% do comex mundial. Ou seja, parecido com 2011, que finalmente voltamos a alcançar, depois de números abaixo daquilo de 2012 a 2020.

Em especial, que somos um país exportador de commodities. Nada contra isso, pelo contrário, que é uma dádiva, mas, não pode ser apenas isso. Não podemos ser apenas fornecedores de matéria-prima, e escada para o restante do mundo se desenvolver.

Assim, sempre esquecendo que dependemos fortemente do nosso agronegócio. Que em 2021 exportou US$ 120,6 bilhões e importou US$ 15,5 bilhões, apresentando superávit de US$ 105,1 bilhões. Portanto, sem o agronegócio, teríamos tido déficit de US$ 43,9 bilhões. E isso vem ocorrendo desde 1997 (temos dados a partir desse ano), com grandes superávits nessa área, com exceção dos anos de 2005 e 2006, em que o superávit geral foi um pouco maior.

O que pode estar ocorrendo com nossos homens de negócios? Por que não aproveitam as oportunidades que surgem para se desenvolver, e não apenas se contentar com o que somos?

Não teria sido, por exemplo, a copa do mundo de 2014 no Brasil, a grande oportunidade de mostrarmos a milhões, ou bilhões de pessoas, nossos produtos? Através de degustação, exposição, oferecimento ao público, etc. Assim como em todas as demais Copas. Mas, o que fizemos? A atenção era apenas o futebol. O povo, o país, o crescimento econômico e desenvolvimento do nosso comércio exterior nem sequer é cogitado. Será que é isso que veremos a nossa vida toda? Sem falar nas Olimpíadas, outra grande oportunidade sempre perdida.

Por que não estampamos na nossa famosa camisa amarela, produtos brasileiros? Que tal um ramo ou pé de café? Ou o desenho de um avião? Ou um frango estilizado? Isto para falarmos de apenas três de nossos produtos. Pois é disso que precisamos. Mas, certamente, ninguém pensou nisso, como nunca antes nem depois neste país. Nossa entidade máxima do futebol, empresários em geral, governo, etc., não parecem ter os mesmos interesses a respeito do país e para os brasileiros.

Brasil, até quando? Acorde, chega dessa maldição do deitado em berço esplêndido. Para que e para quem?

*Samir keedi


Escrito por:

Opinião

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