Carta Protesto emitida por seguradora é nula

Algumas seguradoras têm assumido a responsabilidade pelo envio da carta protesto ao transportador, em nome de seus segurados, entendendo prestar um trabalho diferenciado a seus clientes, mas na verdade oferecem um serviço inútil e ineficaz, uma vez que a relação do contrato de transporte é entre embarcador e transportador. Ao ser comunicada pela possibilidade de um sinistro, tomando por base os apontamentos usuais no TFA (Termo de Falta e Avarias) e no Mantra (Sistema Integrado da Gerência do Manifesto, do Trânsito e do Armazenamento), algumas seguradoras enviam por e-mail uma carta protesto, mencionando que “é inconteste a responsabilidade do destinatário da carta e que oportunamente os prejuízos lhe serão cobrados”.

Primeiramente, é importante destacar que o protesto previsto no art. 754 do Código Civil e seu parágrafo único, não é prova inequívoca da ocorrência do dano e nem serve para impor responsabilidade, é um simples instrumento jurídico de declaração de ocorrência para preservação de direito, que permite ao recebedor de mercadoria reclamar eventuais danos supostamente ocorrido durante o transporte e constatados posteriormente à entrega.

Além de não competir a seguradora o envio do protesto, ainda afirma inadequadamente no documento enviado, que “é inconteste a responsabilidade do destinatário da carta”. Esse grave erro se torna ainda mais absurdo quando a mesma carta é destinada a mais de um destinatário, pois se é inconteste para um, obviamente não pode também atribuir a mesma culpa a outro, lembrando ainda que, qualquer equívoco poderá levar a perda do direito ao seguro. Isso ocorre não por má fé, mas certamente por orientação de uma assessoria jurídica viciada, despreparada e ultrapassada.

O protesto previsto em lei somente pode ser efetuado pelo dono da mercadoria ou o consignatário ou quem tenha procuração para agir em nome para este fim. A seguradora não tem poder para assumir a responsabilidade por efetuar o protesto, muito menos impor culpa, e assim fazendo, a carta protesto se torna nula e não produz nenhum efeito jurídico. No máximo, a seguradora pode se encarregar de enviar a correspondência pelos meios permitidos.

Para melhor entendimento, reproduzimos o texto do art. 754 do Código Civil (Art. 754): As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.

Quanto ao destinatário do protesto, a lei é clara e trata tão somente do transportador (pessoa ou empresa que efetua o transporte). O art. 754 do CC tem natureza cogente de caráter decadencial não admitindo interpretação extensiva de seus termos, condições, exigências e, especialmente, prazos. Portanto, os termos “transportador” e “destinatário” não devem ser interpretados extensivamente para outras atividades empresariais não operante do transporte ou a qualquer participante da cadeia logística.

Outro aspecto importante que traz o art. 754 do CC é quanto a contagem do prazo para o protesto. Nota-se que o artigo menciona que a contagem do prazo de dez dias é a partir da entrega, e nesse sentido define-se “entrega” como o momento em que a mercadoria é entregue ao importador na retirada da carga no armazém alfandegado após a nacionalização, quando já pode verificar e conferir a mercadoria recebida.

O seguro de transporte internacional segue o plano padronizado e estabelecido pela Circular 354/2007 da Superintendência dos Seguros Privados – Susep. Nas condições do seguro, não há nenhum vínculo de garantia e indenização de sinistro ao protesto, e nem deveria haver, pois a natureza jurídica da “carta protesto” e sua aplicabilidade é restrita ao contrato de transporte entre o proprietário da carga e o transportador, independe de relação securitária.

Escrito por:

Aparecido Rocha - insurance review

Especialista em seguros internacionais.



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