Portal Único de atende recomendação da OMC

Embora revolucionário na época, modelo original do Siscomex já não atende ao conceito de “single window” exigido pelo Acordo de Facilitação de Comércio

Ao reduzir o controle, os Acordos de Facilitação de Comércio prejudicam as políticas públicas? Respondendo negativamente à pergunta, o Diretor do DECOE (Departamento de Competitividade no Comércio Exterior) da Secex, Dr. Flávio Augusto Trevisan Scorza, explicou que, na medida em que os controles ficam mais eficientes e menos custosos, as políticas públicas atingem resultados iguais ou melhores – e com menos custos para o país.

“O Acordo de Facilitação de Comércio estabelecido pela OMC (Organização Mundial de Comércio) não representa o melhor dos mundos, o que já era de se esperar, após 10 anos de negociações envolvendo 163 países membros, que naturalmente não conseguiram chegar a todas as melhores práticas possíveis, porém é um instrumento extremamente importante”, avaliou Scorza, durante evento promovido pela Câmara Britânica para analisar os impactos do acordo sobre o comércio exterior. “Mas não queremos só cumprir formalmente o acordo internacional, queremos que o Brasil esteja ‘no paraíso’ da facilitação de comércio”, prospectou.

Flávio Scorza explicou que o Brasil dispõe de um sistema unificador de informações há bastante tempo, desde 1992, quando se compreendeu a necessidade de ter um instrumento administrativo computadorizado único (“single window”) que processasse todas as informações de maneira interligada. E, no entanto, hoje ocupamos posições bastante indesejáveis nos rankings mundiais de negociação, como o “Doing Business Trading Across Borders” de 2015, que coloca o Brasil como 148º em uma lista de 189 países, e o índice de logística “Logistics Performance 2014”, no qual estamos em 94º entre 160 nações.

E, com mais uma pergunta, Flávio Scorza provocou a plateia, composta de embarcadores, reguladores e agências representativas: “Por que estamos desempenhando tão mal, apesar de termos implantado, há duas décadas um sistema tão revolucionário quanto o Siscomex?” A reposta para a questão, segundo Scorza, é que, nos anos 90, basicamente criamos uma ferramenta inovadora, na época muito importante, porém mantivemos os processos atrelados às práticas das décadas de 70 e 80, embora fosse necessário fazer dessa forma, por estarmos em um momento de abertura de comércio. “Em seguida, novos módulos foram sendo criados, interconectados, incorporando papeis, sem nenhuma discussão com o setor privado, de modo a criar um emaranhado terrível, com dezenas de módulos de sistemas [que formam o Siscomex] que se tornaram extremamente rígidos, sem possibilidade de reformar processos, um sistema preso e construído em bases antiquadas, que gera custo, demora e logo fica ultrapassado”.

Com as novas políticas públicas e o excesso de implementações, controles e sistemas paralelos, apesar de o Siscomex ser bastante reconhecido como importante, ele hoje representa uma trava para a facilitação de comércio, acabando com o conceito de “single window”.

O TFA (Trade Facilitation Agreement), que contempla orientações globais para a movimentação e a liberação alfandegária de mercadorias, inclusive em trânsito, foi aprovado, no Brasil, em março deste ano. Porém, para que entre em vigor, é necessário que haja 2/3 de adesão por parte dos países membros, o que se espera que aconteça no primeiro semestre de 2017.
O acordo faz parte do chamado "Pacote de Bali", firmado em 2013, que ganhou status de marco histórico por ser o primeiro acordo comercial global em 20 anos.
Solução criada pelo MDIC, hoje Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o Portal Único do Comércio Exterior, apresentado pelo próprio Dr. Scorza em evento realizado pelo Procomex (Leia no Guia) segue as diretrizes de single window que estão presentes no Acordo de Facilitação da OMC, em especial na recomendação 33: “O portal único é uma facilidade que permite às partes envolvidas no comércio e no transporte apresentar informações padronizadas e documentos em um ponto único de entrada para atender a todas as exigências regulatórias relativas a importação, exportação e trânsito. Se a informação é eletrônica, então os elementos de dados individuais devem ser enviados apenas uma vez”.

Segundo Dr. Flávio Scorza, o projeto do Portal Único tem o apoio da estrutura governamental, tanto da presidência da república quanto das aduanas e de 22 órgãos intervenientes anuentes engajados, em especial aqueles ligados aos projetos de importação e exportação. “Um ponto fundamental nesta empreitada tem sido a cooperação com setor privado por meio da Aliança Procomex, que foi importantíssima na construção dessa estrutura, porque congrega várias partes interessadas do setor privado: importação e exportação, agronegócio, agências marítimas, portos, aeroportos, despachantes aduaneiros, tecnologia e a comunidade privada do comércio exterior – e facilitou muito ouvir a opinião de diversos desses atores”, afirmou, completando que o Portal Único é regido por regras infralegais, ou seja: dispensam discussão no congresso, permitindo mais eficiência e agilidade na gestão do comércio exterior.

Traçando um panorama das interações necessárias para realizar uma operação de comércio exterior, Scorza enumerou: “hoje, o exportador precisa acionar o fisco estadual, o depositário e o transportador, órgãos anuentes, Receita Federal e Siscomex. Na nova estrutura, ele simplesmente se dirige ao portal único, e o próprio sistema faz as interações com o fisco, com as notas fiscais, é acessado pelo transportador e depositário, acessa e é acessado pela receita federal, e já envolve carga, declarações e autorizações”.

Ao cruzar dados e evitar o paralelismo, o sistema promete uma redução dramática na quantidade de preenchimentos necessários para realizar uma operação: “hoje, o RE (Registro de Exportação do Siscomex) exige o preenchimento de 60 campos de dados, e mais 30 na DE (Declaração de Exportação da Receita Federal). Como o portal consegue ‘migrar’ as informações automaticamente pela nota fiscal, esse preenchimento passa para apenas 36 dados”, explicou Dr. Scorza, comemorando o ganho de 3 posições para o Brasil no índice “Doing Business” em 2016, e 32 posições (de 94º para 62º) no índice de Logística. Porém, ele alerta: “para subir nos indicadores, do ponto de vista do comércio internacional, e não apenas do trânsito de mercadorias, há etapas anteriores, que se refletem no volume e na facilitação do comércio”.

Além disso, há problemas que fogem do escopo do Portal Único, como o fato de ainda estarmos presos a mecanismos impeditivos, a exemplo da Anvisa, que trabalha com práticas particulares que acabam atrasando os processos. Um exemplo levantado pelo Diretor de Assuntos Normativos do ICI, Alexandre Lira de Oliveira, foi a exigência de inspeção de fábrica no exterior em casos de importação. “Temos a única agência do mundo que faz isso”.

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