CONTRAN dá mais um passo em direção à conversão das rodovias brasileiras ao free flow

No começo do ano, entrou em vigor a Resolução nº 984/2022 do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito), que disciplina os meios de identificação dos veículos que trafeguem em vias nacionais com cobrança de pedágio em sistema de livre passagem (free flow).

A norma era aguardada com expectativa pelo setor. A capacidade de identificar os usuários é pressuposto relevante para a cobrança do pedágio por meio do free flow e, em especial, para o gerenciamento do risco de inadimplência associada a essa tecnologia.

Os principais pontos da norma são destacados a seguir.

Âmbito de aplicação

A Resolução institui as condições de implantação do free flow e a forma de identificação dos usuários para todas as rodovias e vias urbanas nacionais que adotem esta modalidade de cobrança de pedágio.

Para as rodovias concedidas à iniciativa privada, no entanto, a norma determina uma exceção a seu regime (art. 3º). A instituição do free flow deverá observar as regras do próprio contrato e demais regras setoriais aplicáveis, ainda que contrariem o disposto na Resolução nº 984/2022.

A previsão é relevante para preservar a segurança jurídica em contratos anteriores à norma do CONTRAN e para assegurar a competência da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para instituir regimes regulatórios específicos para o free flow, em especial, mediante o uso do sandbox regulatório (aprovado recentemente pela Agência).

Tecnologia de identificação dos usuários

Dentre as diversas alternativas disponíveis, o CONTRAN optou por determinar que o free flow deverá operar por meio da tecnologia “OCR”. Esta possibilita a identificação do usuário pela placa de seu veículo, o que permite algumas vantagens ao modelo escolhido pelo CONTRAN.

A principal delas é a realização da identificação dos usuários de um elemento já definido pela legislação como obrigatório em todos os veículos que trafeguem no país. De um lado, esta escolha regulatória evita a criação de novas condicionantes para que os usuários possam trafegar nas rodovias e eventuais discussões legais – frequentes no setor – sobre restrições ao direito de ir e vir dos cidadãos. De outro, a opção pelo OCR assegura maior eficácia na identificação dos usuários em todo o território nacional se comparado com as tags eletrônicas ou tecnologias equivalentes – cujo uso não se disseminou de maneira uniforme em todo o país

A norma ainda autoriza o uso de tecnologias complementares ao OCR para a identificação e cobrança do pedágio junto aos usuários. Essas tecnologias e eventuais acessórios necessários à sua operação, no entanto, não poderão ser exigidos como obrigatórios para o uso da rodovia.

Autopagamento

Diante da escolha do OCR como o mecanismo obrigatório, a forma de pagamento do pedágio em rodovias com o free flow será o autopagamento. O conceito refere-se a qualquer pagamento realizado pelo usuário por meio de canais de recebimento legítimos – que poderá ser ou não simultâneo à passagem do usuário pela via que utilize o free flow.

Isso significa que o pagamento do pedágio poderá ser realizado em momento posterior ao uso da rodovia, seja em pontos físicos de pagamento, seja pelo recurso a meios eletrônicos eventualmente disponibilizados pelo operador da rodovia (sites, aplicativos ou outros).

Em qualquer cenário, a norma do CONTRAN define que o usuário terá o prazo de até 15 dias, após o uso da rodovia, para realizar o pagamento. Caso o usuário não adimpla o pedágio neste prazo, incorrerá na infração de evasão de pedágio e estará sujeito a multa.

Risco de inadimplemento

Em que pese a Resolução nº 984/2022 contribuir para a estruturação do ambiente regulatório do free flow no país, este ambiente ainda apresenta riscos jurídicos relevantes – notadamente em relação ao risco de inadimplemento. Este segue como fator decisivo para a disseminação desta forma de cobrança do pedágio nas rodovias nacionais.

A escolha do CONTRAN pelo OCR e, consequentemente, pelo autopagamento reduz a eficácia dos mecanismos de cobrança automática. O seu uso dependerá de expressa anuência e adesão dos usuários e a sua disseminação dependerá da capacidade do mercado de soluções de pagamento de criar condições de contratação atrativas para todos os segmentos de usuários.

Caso contrário, o risco de inadimplemento segue considerável, em especial, por conta da ineficácia dos mecanismos de aplicação e cobrança das multas decorrentes da evasão de pedágio. É relevante, portanto, que os contratos de concessão e os arranjos públicos de operação de rodovias utilizem mecanismos adequados para a mitigação deste risco e para a compensação dos operadores em razão das perdas sofridas com o não pagamento dos pedágios.

Próximos Passos

Teste importante para o free flow será levado adiante pela ANTT. A CCR RioSP será a primeira concessionária a implementar esta metodologia de cobrança em rodovias federais. A empresa foi autorizada a instalar pórticos para a cobrança de tarifa nessa modalidade no trecho da BR-101/RJ sob sua administração, tendo o projeto sido qualificado no âmbito do ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório) da ANTT. A cobrança de pedágio dos usuários mediante o sistema de livre passagem é esperada já para março de 2023.

A experiência contribuirá para a formulação de um diagnóstico mais preciso acerca das atuais condições de conversão do sistema de cobrança de pedágio. Espera-se que os resultados desse primeiro teste do free flow em rodovias brasileiras impulsione o aperfeiçoamento da regulação, enfrentando com êxito os desafios à devida implementação do sistema de livre passagem de forma cada vez mais ampla nas estradas.

*Rafael Fernandes e Alexandre Mundim, membros da área de Infraestrutura Logística da Manesco Advogados.

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Opinião

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