Saídas para a crise estrutural
Marcos Lisboa aponta para as origens da crise, do ponto de vista político, econômico e cultural
Os brasileiros devem fechar 2016 dez por cento mais pobres, em média, do que eram no início do ano. Se ao perceber os primeiros indícios da crise, em 2014, o país acionou as medidas históricas que incluem segurar juros, segurar o câmbio, gerar empregos, gerar demandas, conceder crédito e criar mercado, então o que pode ter dado errado? Foi essa a questão levantada por Marcos Lisboa durante a conferência Intermodal sobre a atual conjuntura econômica e as possíveis saídas para o cenário de crise.
Lisboa enfatiza que o Brasil tem por hábito seguir outras políticas econômicas como exemplos, sem considerar o contexto, a época e a conjuntura em que elas são implantadas e vem fracassando seguidamente por falta de um planejamento de longo prazo. O mesmo fizemos nos anos 1970, diz ele, diante da Crise do Petróleo e da inflação mundial: “a crise, para nós, estava do lado de fora, não entrava aqui no Brasil. Para nos blindar, decidimos proteger os setores domésticos, o alumínio, criar o Brasil Grande, com câmbio pré-fixado e crédito subsidiado”.
Como resultado das escolhas que fizemos, o país viu as contas públicas piorarem, assim como a crise externa, a inflação disparou, precisamos fazer uso de recursos públicos para financiar os setores privados e, mais uma vez, “alimentamos os espertos e oportunistas sem enfrentar as causas – as raízes dos problemas”. O processo é bem pouco diferente do que testemunhamos nos dias de hoje: excesso de regras, alíquotas protecionistas, tentativas “espertas” heterodoxas, como o controle do preço da gasolina, intervenção no setor elétrico – e, novamente, o oportunismo. Enquanto isso, diz Lisboa, “o populismo evita o enfrentamento e propõe uma saída fácil para um problema difícil”.
E, no entanto, reforça que "uma crise deste tamanho, não se pode atribuir apenas ao governo, embora ele tenha uma responsabilidade monumental". As lideranças empresariais, que apoiaram as medidas protecionistas, também carregam sua parcela de culpa, desde que o empresário aprendeu que, neste país, “ganha-se dinheiro viajando para Brasília”, afirma o presidente do Insper, ressaltando que “a surpresa é que tenhamos achado razoável que sempre houvesse algum tipo de privilégio, sem perceber como se pagam as contas de tais privilégios".
Temos de perceber que os nossos recursos são limitados, diz ele, – e que as oportunidades têm seu custo: sempre que se faz algo, deixa-se de fazer outra coisa. Ao proteger um segmento, gastamos tempo e recursos, deixando de potencializar outros que talvez sejam a vocação do país, o que o torna ainda mais pobre. “É necessário investir em áreas que têm, ou podem ter vantagens. Com planejamento, foco, mercado e competitividade. Se temos que proteger um produto nacional, geralmente é porque o importado é de fato mais vantajoso".
O economista lança um olhar para uma época recente na qual diz que o país chegou a arrumar a casa: “o Brasil chegou a viver um período de muito crescimento, de 1990 a 2008, quando FHC disseminou a política social por meio de vários programas que Lula unificou, chegou a discutir a limitação do crescimento dos gastos públicos (embora a Casa Civil tenha logo descartado a ideia), aprimorou as instituições e começou a convergir para as regras de comércio internacional, promovendo a abertura da economia que, até então, era a mais fechada do mundo, acertou as contas públicas, criou uma política monetária, separou o Banco Central do Banco do Brasil, cortou subsídios e deu início às privatizações".
E, no entanto, com um governo divergente entre manter-se aberto ou regulador, com políticas atribuídas a um ou a outro governo em vez de serem dirigidas em prol do país, o Brasil retrocedeu. “Perdemos o bonde”, diz o economista: “Vimos o mundo fazer acordos comerciais, enquanto o Brasil ficou construindo uma Venezuela. O mundo fez parcerias imensas, arrumou as suas economias, e ficamos de fora”.
Para se desenvolver um país, há que se ter uma política bastante consistente que considere indicadores sociais – saúde, educação, habitação. Essa seria a base de qualquer macroeconomia, sem a qual nenhum país conseguiu dar um salto na história da humanidade. Em seguida, viriam as regras do jogo: o desenho das regras do mercado de crédito, do capital, da arrecadação, com foco na logística e nas escolhas da produção com base na competitividade. “Temos uma agenda difícil, porém o Brasil tem potencial”, finalizou o economista, diante de profissionais do comércio exterior: “precisamos abrir a economia e melhorar a logística”.
Marcos Lisboa já foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e vice-presidente do grupo Itaú-Unibanco. Hoje na presidência do Insper, instituição de ensino voltada para negócios, economia, direito e engenharia, Lisboa é uma referência para o mercado na discussão sobre as saídas da atual crise econômica e sobre o papel do Estado brasileiro nesse processo.
Leia no Guia a primeira parte desta palestra na edição de segunda-feira, 11 de abril.
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