Cabotagem: caminho sustentável para o crescimento do transporte de cargas no Brasil

Mais segura, econômica e sustentável – é assim que resumo a cabotagem. Embora ainda seja para muitos brasileiros um meio de transporte invisível, ela é onipresente. Ouso dizer que é o modal de transporte mais versátil e inclusivo, já que transporta com segurança e qualidade produtos de diversas categorias, do arroz ao zinco, celulares a pás eólicas, cosméticos a eletrônicos. Atende grandes, pequenas e médias empresas, gerando receita em impostos e empregos para o país, além de alimentar milhões de brasileiros, literalmente​, ​com o transporte de milhões de toneladas de arroz e grãos.

É redundante ressaltar que a costa brasileira possui 8 mil km e é uma via natural para transportar cargas, o que, por si só, já evidencia os diferenciais da cabotagem em relação a outros modais. O que ainda precisa ser dito é o quanto ela pode evoluir e a sua importância para o crescimento do País.

A matriz de transportes brasileira é largamente concentrada no modal rodoviário. A baixa eficiência do modal em médias e longas distâncias tem reflexos negativos sobre os preços dos insumos e produtos, impactando toda a cadeia, como um efeito dominó, desde o produtor até o consumidor final. Vale ressaltar, porém, que o transporte por caminhão permanece essencial para complementar o serviço porta-a-porta também realizado pela cabotagem integrada. Nesse sentido, o modal marítimo substitui o deslocamento por longos períodos de tempo e distância, permitindo até que os motoristas ampliem a quantidade de viagens - mais curtas – com consequências bastante benéficas, inclusive, para a sua qualidade de vida.

A cabotagem é cerca de ​​15% mais econômica que o transporte rodoviário e não é à toa que a maioria dos países economicamente desenvolvidos possui uma matriz de transportes mais equilibrada. Em termos de comparação, na China, a cabotagem representa 25% de sua matriz e outros 23% são dedicados ao modal hidroviário, que considera o transporte por vias navegáveis em lagos e rios. Já a União Europeia e o Japão possuem em suas matrizes de transportes, um percentual ainda mais alto de produtos movidos via cabotagem, 32% e 44%, respectivamente. No Brasil, este modal ocupa 12%, enquanto o rodoviário transporta 61% das cargas. A diferença é gritante e se traduz em custos mais altos para todos.

Levantamento da ANTAQ realizado em 2022 aponta que existe um grande potencial hidroviário brasileiro que não está sendo utilizado. Atualmente, dos 63 mil quilômetros de rios navegáveis, apenas um terço é utilizado. Já estudo de 2018 do Instituto Ilos indica que, para cada contêiner transportado na cabotagem, existem outros 4,8 que seriam captáveis pelo modal aquaviário no país. O Ilos afirma, ainda, que 21% das grandes indústrias brasileiras, aquelas que movimentam o maior volume de carga, têm a intenção de trocar de modal: sair do rodoviário e optar pela cabotagem nos próximos anos.

Mas se engana quem pensa que somente grandes empresas, com alto volume de carga, podem utilizar este meio. ​​O transporte de carga fracionada por cabotagem já é realizado e sua oferta tem crescido no setor. De novo, a cabotagem é um meio de transporte versátil e beneficia também quem deseja transportar cargas menores, como peças, cerâmicas, materiais de construção e autopeças - que nem sempre ocupam um contêiner inteiro.   

Estudo da USP ainda aponta que a cabotagem é mais sustentável para reduzir emissões de gases de efeito estufa que outros modais. A avaliação compara as emissões de CO2 entre os dois modos de transporte intermodais mais utilizados no Brasil, para cargas com origem e destino ao município de Manaus, no Amazonas. O primeiro, denominado cabotagem porta-a-porta, tem o contêiner como unidade de transporte e é caracterizado pela utilização da navegação em rios ou oceano como modalidade principal, complementado por caminhões para os trechos rodoviários na origem e destino.

O segundo modo de transporte consiste na combinação do modo fluvial com rodoviário, conhecido no mercado brasileiro como rodo-fluvial. Nesse modal, a unidade de transporte é usualmente a carreta-baú, que percorre uma parte do trajeto sobre uma barcaça (trecho fluvial) e outra parte conectada a um cavalo-mecânico (trecho rodoviário).

Os resultados apurados apontam uma clara vantagem ambiental do modal cabotagem porta-a-porta, com emissão de CO2 até 40% menor do que o modal rodo-fluvial, no trecho entre Manaus e São Paulo. De igual forma, mostra-se também mais eficiente mesmo em trechos de menor distância, como entre Manaus e Recife, onde as emissões na cabotagem porta-a-porta são 54% inferiores ao modal rodo-fluvial. Quando comparado com rotas puramente rodoviárias, como entre Porto Alegre e Recife, a cabotagem porta-a-porta emite 63% menos CO2 que o modal alternativo.

Diante da imensa oportunidade de crescimento da cabotagem, em um país com dimensões continentais como o Brasil, é preciso que as condições e os avanços na infraestrutura e na legislação acompanhem as perspectivas positivas e alavanquem o potencial desse setor, trazendo benefícios para todos e contribuindo para o crescimento da economia nacional.

Fontes: ABAC, ILOS (Brasil); Antaq; National Bureau of Statistics of China, Eurostat (UE), Statistics Bureau (Japão); Logística de baixo carbono: avaliação da eficiência do modal cabotagem no transporte de longa distância. - USP.

(*) Karin Schöner - Presidente da Costa Leste da América do Sul da Maersk. 

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Opinião

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