O fim de uma era (ou o começo de outra)
O rearranjo das companhias de navegação traduz a chegada da Revolução 4.0
A grande notícia da semana passada foi a confirmação da venda da Hamburg-Süd para a Maersk. Trata-se de mais um passo no processo de consolidação de armadores de containers, intensificado neste ano, com a fusão dos Chineses China Shipping e Cosco, o anúncio da fusão das três japonesas (MOL, NYK e K Line), a compra da NOL pela CMA CGM e a fusão da Hapag Lloyd com a UASC – e, claro, a falência da Hanjin. Isso sem falar do rearranjo das alianças, a partir de abril de 2017, quando, nos principais tráfegos do mundo, veremos tão somente três grandes agrupamentos de armadores: The Aliance, 2M e Ocean Aliance
Embora essas fusões e alianças impactem mais fortemente os tráfegos Leste x Oeste (Transpacífico e Transatlântico) a atual compra da Hamburg-Süd pela Maersk tem forte impacto aqui, no mercado brasileiro. A empresa foi fundada em Hamburgo no ano de 1871 com o nome de Hamburg Südamerikanische Dampschifffahrtsgesellschaft (Hamburg-Süd), mostrando no nome sua vocação para atuar no tráfego entre a Europa e a Costa Leste da América do Sul. Teve forte atuação no passado não só no transporte de carga como no transporte de passageiros e imigrantes alemães. Com o passar dos anos consolidou-se como o mais importante armador a atuar no Brasil, detendo hoje 22% do tráfego de longo curso e 56% em termos de capacidade no tráfego de cabotagem, por meio de sua subsidiária Aliança Navegação e Logística.
Os mais antigos e nostálgicos lembrar-se-ão dos belos Cap San Nicolas, Cap San Marco, Cap San Lorenzo, Cap San Augustin, Cap San Antonio e Cap San Diego, os últimos navios da era da carga geral, conhecidos como os “Cisnes Brancos do Atlantico Sul”. Era lindo vê-los atracados em Santos, operando com seis ternos de estiva simultaneamente, numa azáfama de carga geral, congelados etc. Os anos 80 marcam o pioneirismo da Hamburg-Süd na introdução dos primeiros navios full container na costa brasileira e a formação do primeiro VSA (Vessel Sharing Agreement), reunindo os principais armadores que operavam no tráfego entre a América do Sul e a Europa.
O nome dessa empresa remete a uma época em que os armadores conquistavam seus clientes pela qualidade de serviço, o cuidado na manipulação da carga, a pontualidade e adequação dos navios e o atendimento personalizado; quando a bandeira do navio dizia muito. Com a entrada dos navios full container, certos parâmetros foram ficando uniformes, restando às empresas competir mais no pré e pós embarque em termos de qualidade de atendimento ao cliente e, até certo ponto, no valor do frete.
Na verdade, esse processo de consolidação nos remete também ao umbral de uma nova era. A era da indústria 4.0 e da tecnologia digital, em que impressão 3D, sistemas de transporte inteligente e outros avanços digitais impactarão no transporte marítimo. Uma era em que a relação histórica do crescimento do PIB global com o crescimento dos volumes de transporte marítimo se descola. Uma era em que não é mais possível projetar o futuro utilizando os parâmetros do passado. Será um tempo de mudanças demográficas em que uma geração de pessoas mais velhas tenderá a comprar mais serviços do que bens, e uma geração mais jovem, e menor, desenvolverá novos padrões de consumo, valorizando a produção local. Assim, os métodos, volumes e localização das manufaturas serão profundamente modificados.
Um dos impactos mais notáveis dessas transformações será um aumento das trocas comerciais Norte x Sul e Sul x Sul, em detrimento das tradicionais rotas Leste x Oeste. Dessa forma, percebe-se que o movimento da Maersk, adquirindo um especialista histórico dessas rotas como a Hamburg-Süd mostra uma clara visão de como esse futuro está se construindo.
Em termos de Brasil, é necessário que nos preparemos rapidamente para essa nova era em termos de adequação tecnológica de nossas cadeias logísticas e de nossos portos e terminais. Já se percebe, por exemplo, o impacto da consolidação dos armadores na utilização dos terminais, em que os menores e menos preparados começam a ficar ociosos. Outro impacto, do qual pouco se tem falado, é no setor de agenciamento marítimo, que, nos últimos anos, vem encolhendo significativamente por conta dessas modificações, tanto pelo efeito das consolidações como pelos avanços tecnológicos.
“O mundo está mudando muito rápido. O grande não mais vencerá o pequeno. Será o rápido que vencerá o lento” (Rupert Murdoch)
Robert Grantham
Formado pela PUC/RS com licenciatura em ensino da língua inglesa, Robert Grantham desenvolveu sua carreira na área da navegação, atuando como executivo em agencias marítimas, como Wilson Sons, Orion e Lachmann, com passagem pelo Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Badesul), atuando na área internacional. Posteriormente foi o responsável pelo start-up das operações da China Shipping no Brasil e Diretor Comercial e Executivo do Porto de Itajaí. Atualmente dedica-se a consultoria, como sócio da empresa Solve Shipping Specialists, tendo realizado trabalhos para Drewry, TESC, LogZ, Porto de Itajaí, Steamship Mutual - P&I, Norsul entre outros. Como palestrante e moderador participou de eventos como Mare Forum, Port Finance International Brazil, Container Handling Technology Brazil, Itajaí Trade Summit. É colaborador da revista Container Management e Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem do Brasil (CAMEDIARB) e da Câmara de Arbitragem e Mediação de Santa Catarina (CAMESC).
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MARCUS VOLOCH
07/12/2016 08:21