DESCENTRALIZAÇÃO DOS PORTOS – SERÁ ESSE O CAMINHO?

Nova lei dos portos alterou os poderes deliberativos do CAP, que passou a ter caráter consultivo, porém os portos vêm reivindicando de volta o seu poder decisório

Semana passada, li no Guia Marítimo interessante matéria da jornalista Kamila Donato dando conta de um movimento dos portos públicos delegados propugnando um novo modelo de gestão portuária que, segundo o grupo, deve ficar mais próxima ao “chão portuário” (Leia no Guia).

A atual lei dos portos que entrou em vigor em 5 de junho de 2013, substituindo a lei 8.630/93 trouxe uma enorme contribuição ao desenvolvimento do sistema portuário brasileiro ao permitir que os chamados TUP (Terminais de Uso Privado) passassem a ter liberdade em operar qualquer tipo de carga, sem a exigência da chamada “carga própria” que vigorava até então.

Por outro lado, a nova lei criou amarras ao retirar dos Conselhos de Autoridade Portuária seu papel de órgão maior na estrutura do porto, com poderes deliberativos, no qual a comunidade se encontrava representada por meio de três blocos compostos pelos trabalhadores, pelo governo e pelos usuários. Pela nova lei, segundo a qual a representação se tornou paritária entre governo e usuários/trabalhadores, o órgão passa a ter caráter meramente consultivo.

Ao retirar os poderes deliberativos do CAP a lei centralizou o poder decisório em Brasília, inclusive no que diz respeito às concessões de áreas públicas para a iniciativa privada.

É, portanto, muito alvissareiro vermos os portos públicos delegados reivindicando de volta o poder decisório em questões da gestão e da possibilidade de conduzir os leilões de arrendamento. O Brasil encontra-se às vésperas de um processo em que se deverá “passar o país a limpo”, de sorte que o “timing” para esse movimento é muito oportuno. Espera-se que as entidades empresariais, que nunca concordaram com a centralização, juntem-se com força ao movimento.

A ideia da lei 8.630/93, ao criar um novo ordenamento jurídico para o sistema portuário, preenchendo o vácuo deixado pela extinta Portobrás, foi justamente reconhecer que a comunidade está muito melhor aparelhada para promover o desenvolvimento do porto, dada a sua proximidade com a realidade local.

Dirão os críticos que muitos CAP não funcionaram a contento, que muitos membros nomeados, em vez de defender os interesses de seus representados, agiam em causa própria ou se faziam ausentes das reuniões, ou ainda eram pessoas sem nenhuma conexão ou conhecimento do processo portuário. Houve, porém, muitos outros CAP cuja contribuição para o crescimento e desenvolvimento do porto foram decisivos.

Fui durante muitos anos membro dos CAP de Itajaí, Imbituba e São Francisco do Sul, e sou testemunha de quão importantes eram esses organismos na defesa do porto, no apoio às respectivas Administrações dos Portos, e na ação externa junto às autoridades intervenientes, bem como na reivindicação de obras e verbas junto ao Governo Federal,

Reconhecendo o mérito da descentralização, a solução dos problemas pontuais existentes não estava na extinção dos CAP como órgãos deliberativos e sim na busca da correção de rumos. Esperemos, portanto, que o movimento dos portos delegados ganhe folego, receba o apoio necessário e que se consiga corrigir a legislação.

Centralizadas em Brasília, as licitações de áreas lograram até agora resultados pífios, com apenas três delas leiloadas no porto de Santos, enquanto há mais de 50 áreas ao longo de toda a costa brasileira, muitas das quais já maduras para serem licitadas – e que ainda se emperram na complexa burocracia centralizada. A própria lei 12.815/13, no artigo 6º, parágrafo 5º, determina que o poder concedente poderá transferir as competências para elaboração dos editais e a realização das licitações às Administrações dos Portos, delegados ou não. A chave para destravar o processo parece encontrar-se na própria lei, portanto.


Escrito por:

Robert Grantham

Formado pela PUC/RS com licenciatura em ensino da língua inglesa, Robert Grantham desenvolveu sua carreira na área da navegação, atuando como executivo em agencias marítimas, como Wilson Sons, Orion e Lachmann, com passagem pelo Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Badesul), atuando na área internacional. Posteriormente foi o responsável pelo start-up das operações da China Shipping no Brasil e Diretor Comercial e Executivo do Porto de Itajaí. Atualmente dedica-se a consultoria, como sócio da empresa Solve Shipping Specialists, tendo realizado trabalhos para Drewry, TESC, LogZ, Porto de Itajaí, Steamship Mutual - P&I, Norsul entre outros. Como palestrante e moderador participou de eventos como Mare Forum, Port Finance International Brazil, Container Handling Technology Brazil, Itajaí Trade Summit. É colaborador da revista Container Management e Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem do Brasil (CAMEDIARB) e da Câmara de Arbitragem e Mediação de Santa Catarina (CAMESC).



1 Comentário

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  • K
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    KLeyn

    03/05/2016 16:13

    A lei de 2013 tenta consertar o estrago do Decreto 6620 de 2008, que institui carga própria, e além disso transformou a Antaq na velha Portobrás.