Estamos (quase) preparados para o VGM

O Seminário VGM esclareceu dúvidas e pontuou as duas principais preocupações do setor: custo e responsabilização

A implantação da nova regra VGM, seguindo as diretrizes feitas por meio de emenda à convenção SOLAS de segurança marítima da IMO (International Maritime Organization) tem sido o tema campeão entre as notícias mais lidas do Guia Marítimo News. Com base nos resultados da métrica de avaliação de visibilidade, o Grupo Guia enxergou a necessidade de promover um seminário específico para discussão da nova lei mundial de pesagem de containers, o Seminário VGM, realizado na última sexta-feira em São Paulo.

Durante a abertura do evento, o diretor do Grupo Guia, Martin von Simson observou que são raras as oportunidades em que embarcadores se reúnem com operadores de carga, porém o tema levou à necessidade de um trabalho conjunto de esclarecimento e preparação. “Com as ferramentas digitais, assim como outros veículos de mídia, o Guia Marítimo hoje consegue mapear quais são as notícias de mais impacto no mercado, de modo a realizar eventos pontuais que esclareçam dúvidas da comunidade”. Martin enfatizou também a possibilidade de interação, por meio de perguntas e comentários, que são imediatamente respondidos ou enviados a especialistas.

Para o Seminário VGM, o Guia convidou armadores, terminais, órgãos reguladores e associações representantes dos embarcadores para destrinchar as novas aplicações e buscar soluções aos possíveis entraves causados pelas normas que entram em vigor a partir de 01 de julho no mundo todo.

Segurança e prevenção de acidentes

Do ponto de vista do armador, Cesar Centroni, gerente geral da MSC, destacou o aspecto de segurança da emenda, relembrando acidentes que ficaram para a história da navegação, como o MOL Comfort, no Oceano Índico, o DNEB, em 2011, que afundou ainda atracado no Porto de Algeciras e o próprio MSC Napoli, em 2007. Em todas as investigações, de acordo com Centroni, foram apuradas discrepâncias no peso informado dos containers que contribuíram fortemente para provocar desequilíbrios na estiva. “Todo mundo mais ou menos se recorda desses acidentes. No caso do Napoli, uma investigação do conselho britânico apurou que os containers tinham uma diferença média de 3 toneladas por unidade, tendo inclusive encontrado um container com 20 toneladas acima do informado, somando mais de 300 toneladas de discrepância”.

Em 2012, a alfândega da Ucrânia realizou um trabalho de inspeção no qual detectou que nada menos do que 56% dos containers tinham peso superior ao declarado. “Hoje, com os navios chegando a 18 mil, 19 mil Teus, a tendência é que os problemas se potencializem, o que levou a IMO a determinar que não podíamos continuar trabalhando nos mesmos limites”, disse Centroni.

As diretrizes da IMO são internacionais, porém, para haver integração com código civil de cada país, foi necessário que os órgãos reguladores publicassem a norma individualmente, realizando os ajustes necessários. Houve países que deliberaram acerca do tipo de assinatura requerida, outros exigiram a manutenção de cópias físicas do certificado por tempo determinado, e outros ainda estipularam penalidades criminais para o não cumprimento da norma. No caso do Brasil, a emenda à SOLAS foi ratificada pela DPC (Diretoria de Portos e Costas) da Marinha do Brasil por meio da Portaria 164 publicada em 25 de maio de 2016, que procurou manter-se o mais próximo possível do código original da IMO. “A DPC seguiu os princípios da implementação com o intuito de não gerar custos para o sistema preservar o funcionamento do setor, sem criar muita burocracia com o intercâmbio de papéis”, observou Centroni.

Soluções eletrônicas

De olho nas necessidades de interação entre embarcadores e armadores que, segundo a regra e a Portaria 164, precisam determinar com antecedência “e preferencialmente por via eletrônica” o peso bruto certificado de cada container acondicionado no navio, a plataforma eletrônica INTTRA desenvolveu uma ferramenta específica para o intercâmbio de dados atendendo à norma SOLAS. Criado originalmente por um grupo de armadores há 15 anos, hoje o INTTRA é uma plataforma eletrônica independente cujos recursos já estão envolvidos em 85% dos embarques brasileiros. O serviço foi apresentado por Ed Ordway, Diretor de Produto e Sócio do INTTRA, que veio de Nova Jersey especialmente para o evento. “Estive pessoalmente com vários grupos, desde o World Shipping Council até associações mundiais como SMDG, FIATA, CLECAT, CESAC, Transpacific Stabilization Agreement, e pude perceber que ainda há padrões inconsistentes e uma regulamentação muito prematura por parte das autoridades mundiais, várias delas ainda no rascunho ou em fase de comentários”, afirmou Ordway, impressionado com o preparo dos terminais brasileiros e o envolvimento de toda a comunidade logística na busca por soluções.

Ed Ordway explicou passo a passo o funcionamento da ferramenta eVGM do INTTRA, que vem sendo implantada em sistemas de armadores, terminais e embarcadores, com possibilidade de integração com plataformas de terceiros. “Era de fato necessário encontrar uma solução para melhorar a estiva do navio, que considerasse o fator tempo para programação do acondicionamento das cargas”, explicou, apresentando também o Fórum Online promovido pelo INTTRA, do qual participam 400 usuários que se reúnem semanalmente para discussão dos problemas, desafios e soluções para a adequação à norma da IMO.

No VGM, no gate

Apesar de termos, no Brasil, pouquíssimos terminais que não realizem a pesagem já dentro de suas operações convencionais, o cenário mundial é diferente: existem diversos terminais que jamais realizaram a pesagem, ou que não têm o procedimento entre as operações comuns. Por isso, alguns países adotaram a máxima “no VGM, no gate” – em tradução livre, “sem VGM, não entra no terminal” –, prometendo passar a proibir a entrada de containers sem a pesagem certificada. Não é o caso do Brasil, porém dá a dimensão de como o assunto tem reverberado no mundo todo, principalmente pela discrepância de parâmetros quanto à pesagem dos containers.

Representando os terminais, Caio Morel, da Santos Brasil, foi breve e pragmático: “nós não vamos ter uma regra desse tipo [no VGM, no gate] porque achamos que a maioria dos containers vão ter o ‘match’ entre a pesagem do terminal e o VGM informado pelo exportador”. Porém, sugeriu que a repesagem fosse uma prática adotada nos casos de discrepância, especialmente pelo fator da segurança: “como essa questão é séria, questão de segurança que pode trazer problemas para o embarque dos navios, nos casos de diferenças entre a pesagem do terminal e o VGM informado, sugiro que seja feita repesagem certificada”. As diferenças a que ele se refere podem vir de uma série de fatores, entre eles o método escolhido para pesagem, a própria balança utilizada ou

Morel foi sucinto e, basicamente, informou que o terminal continuará a realizar a pesagem como já faz, porém sem a certificação. E, nos casos em que se fizer necessária a pesagem certificada, haverá cobrança – que já era esperado (e temido) pelo embarcador.

Representando o Centronave, entidade representativa da navegação brasileira que teve atuação muito próxima à DPC na elaboração da norma, Claudio Loureiro forneceu detalhes históricos e técnicos que reforçaram a relevância da pesagem certificada, lembrando que, no início das atividades marítimas comerciais, passageiros – e até bebês – eram pesados logo na entrada do navio. Loureiro disse estar bastante satisfeito com a repercussão da iniciativa do Guia Marítimo, por entender que a navegação tem “suma importância para a economia e, ainda assim, pouca visibilidade para a opinião pública, decorrendo daí vários problemas que a sociedade vivencia”.

Pão de forma

Comparando o navio a um pacote de pão de forma, lembrou que o ambiente oceânico é potencialmente agressivo e há forças descomunais que atuam nessa relação entre container, navio, mar e equipamentos: “não é à toa que eles são certificados e há projetos para garantir a integridade estrutural das embarcações. A estrutura comprometida pelo plano de embarque é comparável a um pão de forma: durante a navegação, o navio torce, altera seu formato de várias formas dependendo das forças que atuam e de como estão navegando, eles têm uma tendência de curvatura... não pense que, só porque é feita de aço, essa estrutura não trabalha”, explicou Cláudio Loureiro, arrancando risos da plateia ao puxar do púlpito um pacote de pão de forma.

Em seguida, levantou um dos pontos mais delicados da nova determinação: “era dramático ter regras para que o container tivesse o peso verificado, e que alguém tivesse responsabilidade sobre ele”. Depois da questão dos custos, a responsabilidade é uma das questões que mais geram preocupações por parte do embarcador, o que logo ficaria claro na sessão de debates.

Entre as particularidades não esclarecidas pela Portaria 164 da DPC, Claudio Loureiro esclareceu que a maioria delas decorre de diferenças “de porto para porto, de contrato para contrato”. É o caso do prazo para envio do VGM, abordado tanto na emenda original à SOLAS quanto na Portaria 164 como “com antecedência suficiente”. Na opinião de Ed Ordway, o envio do VGM precisa ser pensado com exclusividade: “junto com o booking (a reserva de espaço no navio), pode ser cedo demais. Junto com a SI (as instruções de embarque), pode ser tarde demais”.

Cláudio Loureiro afirmou também que vem enxergando um avanço na abordagem da DPC como entidade reguladora “porque com isso ela está deixando de achar que consegue resolver tudo ou implantar regra nova e, em vez disso, fez tudo isso com amplo debate do setor”, lembrando que partes do texto da portaria foram intensamente discutidas junto à comunidade operacional marítima. “Esse processo vai contribuir para o amadurecimento da relação entre os entes públicos e privados, assim como esse tipo de Seminário, que ajuda muito a aproximar as pessoas e debater os temas comuns”.

A recomendação de Loureiro é que haja uma segunda reunião alguns meses após a implementação da nova regra, período no qual podem surgir casos não previstos. E aconselhou: “temos que ter paciência, serenidade e bom senso neste momento da implantação da norma”.

Nem aqui e nem na China

“Entre as colocações muito bem-feitas no quesito segurança, notei aqui a falta de um ente que é, para mim o principal ator das operações: a carga”, afirmou Aguinaldo Rodrigues ao abrir a sua palestra como representante dos agentes de carga pelo Sindicomis/ACTC. “Até agora, a carga não participou tão ativamente dessas discussões a ponto de poder até defender um pouco a sua posição”, ilustrou Rodrigues.

Segundo ele, os agentes se colocam ao mesmo tempo como prestadores e tomadores do serviço – principalmente em operações com cargas consolidadas – e, como tal, precisam saber cumprir muito bem, e dividir muito bem esses momentos que envolvem negociações, custos e gerenciamento dos dois fluxos (tanto da movimentação da carga quanto da informação).

Agradecendo à iniciativa do Guia Marítimo por reunir a comunidade em torno de um assunto que considera delicado, Aguinaldo Rodrigues enfatizou que a preocupação dos embarcadores passa por dois pontos principais: a responsabilização e os custos. “Cada vez que avançamos um passo, se aprofunda uma preocupação muito clara: existem representantes que vão responder por isso aqui”.

Ilustrando a sua preocupação com tabelas que informam os preços pretendidos pelo mercado a partir da implantação da nova regra (com pesagens, repesagens, certificados e estadias extras), Aguinaldo Rodrigues alertou a todos que as operações podem sofrer atrasos e o embarcador precisa ter voz nas negociações, mesmo compreendendo a necessidade da regra para a manutenção da segurança dos navios. “Para não dizer que estamos imaginando coisas, estamos recebendo informações a respeito das operações – tanto terminais quanto operadores – que nos levam a crer que, aparentemente, não há uniformidade entre procedimentos propostos, tanto por terminais quanto por armadores – e somos nós os responsáveis por tudo isso, ou seja: justifica que estejamos bastante preocupados”.

O repasse de custos de sinistralidade pelo armador também incorre em despesas extras para o embarcador, tanto nos seguros quanto nos fretes, porém a sensação geral com a implantação da nova regra é de que haverá um visível aumento de custos. As perguntas centrais do embarcador, trazidas por Aguinaldo Rodrigues, no entanto, foram: “aumentando os impostos, os custos e os atrasos, o que nós vamos dizer para a carga? E, em caso de sinistro, a quem caberá determinar o culpado se a carga não participou das discussões quando a IMO estabeleceu a convenção?”.

Respondendo à pergunta global da IMO, Rodrigues afirmou: “Não, não estamos preparados. Nem aqui e nem na China – literalmente”.

Sem maiores problemas

Por parte da ANTAq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), segundo o diretor da entidade, Fernando Fonseca, parece haver poucas preocupações com a adaptação do Brasil à nova norma: “a grosso modo, achava que o assunto não merecia muita preocupação, uma vez que, nesse quesito da pesagem, o Brasil está avançado e precisa somente de alguns ajustes finos”. Fonseca admite que se surpreendeu ao saber que nem todos os terminais pesam as cargas sistematicamente em todo o mundo, e avalia que o assunto no Brasil, se bem administrado, não deverá enfrentar maiores problemas “especialmente em relação ao procedimento em si”, explica.

Segundo o diretor da ANTAq, deve-se esperar alguma dificuldade operacional deve ocorrer no transporte rodoviário de acesso aos terminais, como por exemplo com caminhões bitrem, que vão demandar a desconexão para pesagem.

No que diz respeito a como a ANTAq poderia atuar no segmento, Fonseca lembrou que a entidade pode (como sempre pôde) ser acionada por qualquer parte prejudicada, por exemplo em caso de cobrança de valores abusivos sobre bases não transparentes ou que não reflitam a complexidade e os custos das atividades. Muitas das infrações já estão previstas no código da própria Agência, e estão sujeitas à autoridade portuária.


*Leia no Guia os destaques do Debate promovido após as palestras do Seminário VGM.

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TODAS AS FOTOS DO EVENTO FORAM PRODUZIDAS POR AGÊNCIA INFONEB

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