Quais os resultados do novo marco regulatório?
Guia Marítimo News inaugura hoje uma série de reportagens na visão de diversos personagens do setor para saber o que mudou e o que retrocedeu
Risco de um apagão logístico, insuficiência da infraestrutura portuária e de transportes, crescente insatisfação dos usuários com a qualidade e o custo dos serviços de logística em geral, além de tantos outros gargalos, foram os propulsores para que o governo federal decidisse modificar o marco legal do setor portuário. Editando a Medida Provisória Nº 595/2012 e a revogação da Lei 8.630/1993 – que regulamenta o setor portuário – a nova Lei nº 12.815, teve a correta avaliação de que os investimentos portuários não vinham se realizando no volume e no ritmo necessários para atender às necessidades do comércio exterior brasileiro.
Mas desde sua implantação em 2013, o que foi realizado de efetivo? Podemos dizer que, enfim começamos um novo rumo para os portos e movimentação de cargas? O Guia Marítimo News traz neste mês uma série de reportagens tratando do assunto na visão de diversos personagens que compõem essa cadeia. O novo marco regulatório trouxe diversas características, mas se, por um lado, a Lei "pegou" e atraiu investimentos necessários, por outro, alguns pontos e aspectos ficaram a desejar.
“Inicialmente é importante destacar que o discurso do governo federal que serviu de justificativa para a edição da MP em aumentar a concorrência nas operações e a competitividade entre os portos brasileiros, e atrair investimentos privados ao setor não se reproduziu de fato nem no texto da MP original e tampouco na Lei 12.815. Ou seja, o governo pregou um discurso e, na prática, seguiu outro caminho, o do engessamento e da paralisação do setor”, apontou Matheus Miller, secretário executivo da Abtra (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados).
Para o executivo, de lá para cá, a nova lei pouco contribuiu para o avanço dos portos; pior: retrocedeu. “Ao contrário, afastou novos aportes privados, em razão da insegurança quanto a sua efetividade e perenidade, e acarretou flagrantes distorções concorrenciais. A nova Lei não trouxe praticamente nenhum benefício aos portos brasileiros”, completou.
Destacando ainda um retrocesso em trinta anos da norma no que se refere a utilização da mão de obra portuária avulsa – inclusive contrariando as indicações da OIT – a Abtra salienta ainda que a medida esvaziou a participação da iniciativa privada nas decisões relevantes de cada região com destaque para os CAPs. “Ao ceifar dos CAPs o poder deliberativo desestabilizou o ambiente concorrencial, com a criação de regras diferentes para a exploração de atividade de igual natureza. O único aspecto positivo foi o encerramento da discussão sobre a distinção entre carga própria e de terceiros na operação dos TUPs”.
A autoridade portuária também foi esvaziada em suas atribuições pela nova legislação: nasce a centralização, quando na realidade o que precisávamos era mais facilidade e menos custo para o setor. Nesse sentido a “nova legislação” enterrou bem fundo da sociedade organizada, em fazer parte do processo decisório das administrações portuárias.
Miller explica que a centralização em Brasília das decisões importantes ao desenvolvimento portuário de cada região reflete o conceito de gestão do governo afastado, marcado pela forte intervenção na atividade econômica. “Ao retirar das companhias docas e dos CAPs o poder de deliberar sobre questões locais, o governo transferiu ao ministério e à agência reguladora atribuições de difícil encaminhamento na esfera federal, ao mesmo tempo em que esvaziou a representatividade das autoridades públicas locais e a participação dos empresários”.
Segundo ele, a adoção de uma “autoridade portuária nacional” causou sobreposição de competências, morosidade na tomada de decisões e distorção nas regulações, comprometendo o avanço dos portos brasileiros. “Enquanto a maioria dos países prega e pratica uma política de crescimento portuário com base na governança descentralizada, o Brasil retrocedeu aos anos 1970”, ponderou.
Então a pergunta que fica é: o que de mais marcante ficou nessa medida? Para a Abtra a resposta é simples: “A inexistência de uma visão sistêmica quanto ao crescimento planejado para o setor portuário no País, afora as ingerências político-partidárias, que dificultam a sua aplicação no longo prazo”.
O exemplo disso, ressalta o executivo é que, após a edição da nova lei, a SEP (Secretaria Especial de Portos) teve nada menos do que cinco ministros. “Outro problema é a ausência de articulação com uma política em esfera mais ampla, a da infraestrutura logística de transporte de cargas e de acessos aos portos, sem o que não há como impulsionar as atividades de comércio exterior e, consequentemente, o aumento da produção industrial e do agronegócio”, salienta.
Evolução
Em um retrocesso rápido, Miller analisa a evolução do marco regulatório no Brasil e aponta que desde a Constituição Federal de 1988 até a edição da nova lei, em 2013, a exploração dos portos brasileiros teve por base dois grandes conceitos: eficiência e concorrência nos portos públicos; e verticalização nas cadeias produtivas exportadoras nos terminais privativos. “Várias inovações foram positivadas nesse período, com a criação dos operadores portuários privados, a instituição dos programas de arrendamentos de áreas portuárias, e a institucionalização dos CAPs, nos processos decisórios das companhias docas, e dos OGMOs, para mediar as relações capital-trabalho”.
O arcabouço jurídico no setor, de acordo com a Abtra se consolidou, garantido abrigo e segurança aos investimentos privados, além de estabilidade às relações entre Poder Público e setor portuário produtivo, com claros benefícios à economia nacional.
Com a aprovação da nova Lei em 2013, o desenvolvimento dos portos passou a ser ancorado em novos conceitos, que para Miller se dividem em: distinção, pela localização geográfica, entre instalações portuárias que exercem a mesma atividade econômica; desvalorização do ambiente concorrencial nos portos organizados; monopólio da mão de obra avulsa nesses portos; esvaziamento das competências das administrações locais; e intervenção regulatória.
No saldo geral da nova lei Miller é enfático: é negativo. “Por todas as nossas considerações, a experiência demonstra ainda que as mudanças legislativas aleatórias e sem a devida e ampla articulação com os setores nelas envolvidos estão longe de garantir a atração de investimentos. Ao contrário: só fazem afastá-los”.
Quanto aos desafios que o setor tem pela frente, a Abtra salienta grandes e muitos deles no sentido de se reorganizar e adotar um planejamento sistêmico e perene, atrelado ao necessário crescimento do comércio exterior brasileiro. “Para tanto, o caminho adequado passa pela urgente revisão da Lei 12.815, com o objetivo de criar um marco regulatório de consenso entre os agentes e investidores no setor para restabelecer as condições favoráveis ao desenvolvimento dos portos”, diz.
Para 2016, a Associação acredita na disposição do novo governo “em perceber a necessidade de alterar o marco regulatório do setor e conduzir esse processo legislativo de forma ampla, democrática e transparente, contemplando os interesses e demandas de toda a comunidade portuária e dos setores que utilizam os portos brasileiros para enviar e receber suas mercadorias, colaborando para o progresso do Brasil”.

1 Comentário
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Kleyn Guerreiro
05/07/2016 10:15