CABOTAGEM NO BRASIL: GRANDE OPORTUNIDADE PÓS COVID-19?

A extensa costa brasileira, com cerca de 7,4 mil quilômetros, favorece o uso da cabotagem para o transporte e escoamento de cargas, por ser uma modalidade operacionalmente mais segura, com baixo consumo energético, menos poluição ao meio ambiente e alta capacidade de transporte.

Segundo o Ministério da Infraestrutura, o setor portuário tem mostrado resiliência aos efeitos da pandemia e da crise econômica, mostrando um crescimento relevante no fechamento de dados do primeiro quadrimestre, com destaque para o aumento das movimentações da cabotagem.

O potencial produtivo e ambiental do transporte de cabotagem é muito significativo, visto que a movimentação marítima de cada 10.000 toneladas de carga geral corresponde a 303 carretas rodoviárias de 33 toneladas, com dois eixos no cavalo mecânico e outros três no semirreboque, ou uma composição com 143 vagões ferroviários, de 70 toneladas cada. Como a cabotagem transporta cerca de 162,9 milhões de toneladas por ano, segundo a CNT, deixam de circular pelas rodovias brasileiras cerca de 5 mil carretas, anualmente.

Essa comparação com os modos rodoviário e ferroviário destaca as vantagens da cabotagem para a sociedade como um todo, dentre elas: reduções do consumo energético por TKU (eficiência energética); redução de caminhões nas estradas, que resulta na minimização de impactos ambientais (redução de emissões de poluentes, de ruídos, de acidentes rodoviários e dos custos de manutenção das estradas); aumento da segurança da carga (menor risco de roubos e desvios de carga, quando comparado com o transporte nas rodovias); e prática de menor frete (em torno de 30%), contribuindo com a redução do custo Brasil.

Apesar de pouca participação na matriz de cargas brasileira, em torno de 11%, a atividade de cabotagem registrou alta de 11,3% na movimentação de cargas entre janeiro e abril de 2020, em relação ao mesmo quadrimestre do ano passado, segundo a ANTAQ. Cabe ressaltar, que a movimentação de petróleo e derivados responde por mais da metade das cargas na cabotagem brasileira.

Em seguida, em meio à pandemia, o modo aquaviário como um todo vem se destacando, pois cresceu 16,3%, em comparação entre os meses de abril de 2019 e 2020, de acordo com o “Boletim Economia em Foco”, da CNT, provavelmente dinamizado pela produção de soja que ocorre, geralmente, no primeiro semestre de cada ano. O Anuário da CNT de 2019 aponta que a participação da cabotagem no modo aquaviário é de aproximadamente 21%, com forte tendência de aumento dessa participação.

A ANTAQ ressalta que os maiores destinos da cabotagem se encontram na região Sudeste, ou seja, Rio de Janeiro, com 18 milhões de toneladas, e São Paulo, com quase 15 milhões de toneladas, que permite aos portos desses estados atuarem como hubs para a integração internacional.

Quanto aos tipos de carga, as vantagens da cabotagem como parte de elo intermodal são percebidas pelas empresas, principalmente pela movimentação de vários tipos de cargas, como destaca o crescimento de 13% de carga geral e de 44% para contêineres, entre 2013 e 2018, segundo o Anuário da CNT de 2019. O Painel Estatístico da ANTAQ revela que a cabotagem evoluiu 14,51%, em 2019 (4,77% em contêineres) e 11,33%, em 2020 (referência julho).

O anuário CNT 2019 caracteriza ainda que as cargas típicas de granéis líquidos e gasosos participam com 74% do total da carga da cabotagem (2013-2018), com possível incremento com o retorno da produção nacional após a pandemia. A ANTAQ apresenta crescimento de 10,15% no mesmo tipo de carga em 2020 (referência julho).

Esses números mostram que há um potencial de mais de 100 bilhões de TKU para migrar do modo rodoviário para a cabotagem. O crescimento em 2020, apesar do COVID-19, confere à cabotagem uma característica de alta resiliência e com grande possibilidade de expansão.

Diante desse cenário, o Ministério da Infraestrutura está prestes a enviar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei intitulado “BR do Mar”, que visa incentivar, aumentar a competitividade e impulsionar o transporte marítimo de cabotagem no Brasil. A BR do Mar tem como linha central os seguintes pontos: desburocratização do setor; busca de solução para a redução de impostos no combustível; desoneração da importação de embarcações; autorização do afretamento de embarcações estrangeiras para cabotagem; ampliação da disponibilidade da frota naval no território nacional; incentivo à qualificação de empresas atuantes na área marítima, incluindo a indústria naval brasileira; estímulo às operações especiais de cabotagem nas instalações portuárias; e aperfeiçoamento do uso do AFRMM (Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante).

Em paralelo, concorrendo com o projeto BR do Mar, encontra-se em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 3.129/2020, que cria estímulos para a navegação no Brasil, com novas regras para a cabotagem, tais como a forma para afretamento de embarcação estrangeira, com a eliminação gradativa do AFRMM, e alterações no marco regulatório da navegação (Lei nº 9432 de 1997) e na lei de criação da ANTAQ.

Certamente, existem conflitos entre ambos os projetos de lei, apesar de suas louváveis intenções de beneficiar a cabotagem em nosso país. De um lado, o Projeto de Lei da BR do Mar sugere dois modelos de negócio para o afretamento de embarcações estrangeiras: o primeiro modelo é de afretamento a tempo, que permite a flexibilização do uso de embarcações com bandeira estrangeira, acarretando em menores custos para a operação, para as empresas com lastro em frota própria; o segundo modelo é o afretamento a casco nu, que permite às empresas a operação sem frota própria, mas os navios utilizados precisarão atuar sob bandeira brasileira, situação que acarretará em maiores custos operacionais.

Por outro lado, o Projeto de Lei nº 3.129/2020 apresenta uma versão diferente de flexibilização, por considerar que o modelo de afretamento a tempo é bastante restrito, visto que uma das formas de a empresa contratar nessa modalidade é não ter à disposição embarcação de bandeira brasileira do tipo e porte adequados para o transporte pretendido. Por isso, o projeto propõe que a regulamentação não tenha limite quanto ao número de viagens a serem realizadas.

De qualquer maneira, o setor de cabotagem tem certeza de que ambos os projetos de lei sofrerão alterações durante suas tramitações no Congresso Nacional e espera que haja um consenso entre os legisladores para que o resultado seja o melhor possível para o país.

Em última análise, o Brasil não pode prescindir do transporte de cabotagem e precisa facilitar as operações marítimas, tornando o setor mais competitivo e viável para estar inserido dentro do conceito da multimodalidade. Para isso acontecer, além da aprovação de uma legislação que atenda todo os stakeholders do setor, a questão da burocracia nas operações de transporte precisa de resolvida definitivamente. No caso da cabotagem, os operadores logísticos enfrentam o fardo do excesso de documentação para a movimentação das cargas, que podem chegar a cerca de 35 documentos diferentes, quando são utilizados dois ou três modais para o serviço de porta a porta. Esse problema poderá ser resolvido em breve com o promissor Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), solução em implementação pelo Ministério da Infraestrutura, cujo objetivo é unificar uma série de registros exigidos durante o transporte de cargas no Brasil e, dessa forma, aperfeiçoar a logística multimodal em todo o país. Mas isso é assunto para um outro artigo.


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