Resenha 2020 & Cenários 2021

Por Leandro Barreto / Felipe Lobo

Análise 2020 

O comércio internacional 2020 foi marcado por grandes volatilidades na demanda em meio à maior crise global desde a colapso financeiro de 2009, em virtude da pandemia da Covid-19.

Na China, primeiro epicentro do coronavírus, a decisão do governo pela adoção de medidas rígidas de restrição em vários setores reduziu a produção industrial entre meados de janeiro e início de março, causando impacto relevante para o comércio internacional brasileiro no início do ano já que o primeiro trimestre registrou uma significativa redução no volume de exportação (Gráfico 1).

Analisando as dez categorias com maior volume de exportação, e que juntas correspondem a 96% do total exportado pelo Brasil, é possível notar que as mais afetadas por essa “freada” da China no primeiro trimestre foram: Minérios de ferro (-18%); Sementes e Cereais (-10%); Papel e celulose (-3%) e Madeira (-1%). Entretanto, as exportações brasileiras apresentaram rápida recuperação já a partir do segundo trimestre, com o terceiro trimestre registrando recorde no volume de exportação.

                                                  Gráfico 1: Volume de Exportação Brasileira Trimestral (2016-2020)


                                                                                         Fonte: COMEX STAT, 2020.

Sem dúvida, a desvalorização do real frente ao dólar e o perfil da pauta exportadora resultaram num ano bastante favorável para as exportações brasileiras de commodities. Comparando a exportação no período 2019-2020, podemos destacar que entre as 29 categorias analisadas, 15 tiveram uma variação positiva (Gráfico 2), com especial destaque para o aumento nos embarques de produtos da categoria de Açúcar (+72%) que, além do dólar, também foi beneficiada pelo fortalecimento dos preços internacionais do açúcar e da melhor qualidade da cana registrada na última safra. Entre as demais categorias, selecionamos as seguintes: 

• CARNES (+5%): as vendas para a Ásia seguiram impulsionadas, principalmente para os destinos impactados por crises da Peste Suína Africana. Apesar do crescimento, vale ressaltar que 2.020 também foi marcado pela suspensão temporária das exportações de frigoríficos brasileiros pela China, devido a vestígios do coronavírus em embalagens de carnes importadas. China, Hong Kong, Arábia Saudita, Japão, Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Países Baixos e África do Sul corresponderam a cerca de 61% das exportações;

• MADEIRA (+17%): após uma breve parada no início do ano, a pandemia aqueceu o mercado de pequenas reformas em todo o mundo. Em 2020, China, Estados Unidos, Portugal, Japão, México, Itália corresponderam a cerca de 62% das exportações;

• ALGODÃO (+32%): a safra 20/21 realmente começou mais tarde e com lotes menores, todavia a performance da safra 19/20 garantiu os bons resultados do fechamento anual. Vietnã, China, Indonésia, Paquistão e Turquia corresponderam a cerca de 80 % das exportações;

• CELULOSE & PAPEL (+5%): os embarques anuais aumentaram apesar da queda dos preços internacionais e resultados insatisfatórios de grandes empresas do setor no primeiro semestre – muitas paradas para manutenção das linhas de produção foram planejadas para o segundo semestre e os preços reagiram no final do ano. China, Itália, Estados Unidos, Países Baixos e Argentina corresponderam a cerca de 70% da exportação;

• CAFÉ (+7%): câmbio favorável e oferta abundante de alta qualidade em 2020 impulsionaram a exportação, apesar de algumas reclamações do setor em relação aos fretes e escassez de equipamentos. Alemanha, Estados Unidos, Bélgica, Itália e Japão corresponderam a cerca de 60 % das exportações.

                                                             Gráfico 2: Variação de Volume de Exportação (2019/2020)


                                                                                                Fonte: COMEX STAT, 2020.

A Tabela 1 mostra a participação por destino nas exportações brasileiras dessas categorias nos últimos dois anos e, embora não tenham ocorrido alterações significativas no período, destaca-se o aumento da participação asiática como destino para as exportações brasileiras nos setores de Carnes e Papel. 

                                               Tabela 1: Participação (%) nas Exportações Brasileiras (2019 – 2020) 

 

                                                                                   Fonte: COMEX STAT, 2020.

Nas importações, a pandemia gerou ainda mais volatilidade (Gráfico 3) já que a recuperação foi mais lenta em relação às exportações em função das restrições adotadas no país a partir de março, seguida de forte retração da economia, além do dólar elevado. Só foi possível observar uma reação mais consistente das importações brasileiras em setembro à medida que os recursos do auxílio emergencial começaram a chegar ao varejo e que os estados avançavam nas fases de flexibilização das medidas de isolamento social, o que acabou gerando uma importante demanda reprimida e, a exemplo do que se viu em vários países, uma explosão do consumo nos últimos meses do ano.

                                             Gráfico 3: Volume de Importação Brasileira Trimestral (2016-2020)


                                                                                     Fonte: COMEX STAT, 2020.

Ainda na importação, 12 categorias apresentaram variação positiva em relação a 2019, demostrando um maior desequilíbrio em relação aos resultados das exportações (Gráfico 4). Analisando as dez categorias com maior volume de importação no último ano e que juntas corresponderam a 93% do total importado pelo Brasil em 2020, destacamos as seguintes: 

• PLÁSTICOS E RESINAS (+6%): essa categoria engloba tanto matéria prima quanto o produto acabado (utilidades domésticas, brinquedos, componentes para indústria etc). Estados Unidos, China, Argentina, Colômbia, Coreia do Sul, Alemanha e Arábia Saudita corresponderam a cerca de 70% das origens das importações em 2020;

• VEÍCULOS E PEÇAS (+7%): China, Argentina, Japão, Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Coreia do Sul, México, Alemanha e Estados Unidos corresponderam a cerca de 70% das origens das importações em 2020. Importante destacar o significativo aumento da participação asiática, em detrimento do Mercosul e Europa, como origens das importações nessa categoria no último ano.

                                                             Gráfico 4: Variação de Volume de Importação (2019/2020)


                                                                                      Fonte: COMEX STAT, 2020.

Cenários 2021

Esse novo ano começou ainda com a missão de desatar o nó logístico internacional gerado por essa enorme volatilidade da demanda causada pela pandemia em 2020, mas já é certo que isso não deve acontecer ao menos até a chegada do feriado do Ano Novo na China – de 12 a 26 de fevereiro – quando a maioria das fábricas deverá parar por lá, enquanto portos e navios (ao contrário dos outros anos) continuarão trabalhando para eliminar ou reduzir o backlog.

A questão é que, independentemente da pandemia, 2021 e 2022 já caminhavam para um maior equilíbrio entre oferta e demanda no setor de contêiner e, portanto, com tendência de recomposição dos fretes.

Em Out/20 a encomenda de novos navios porta-contêiner aos estaleiros atingiu a marca mínima histórica de 8,7% da capacidade global, mas acabou fechando o ano pouco acima de 10% após os 18 mega navios encomendados no apagar das luzes de 2020 (todos com entrega programada para 2023 e 2024).

Se por um lado é difícil “cravar” as razões pelas quais essas encomendas por parte dos armadores estejam tão baixas atualmente, por outro lado os efeitos nocivos do overcapacity vivido desde a crise de 2009 – quando os estaleiros tinham em carteira o equivalente a 67% da frota em operação – que culminaram na recente consolidação do setor, foi sem dúvida uma das grandes lições aprendidas pelos armadores ao longo da última década. Além, claro, das crescentes discussões sobre descarbonização que podem tornar uma aposta errada no combustível dos novos navios um problema para os próximos 30 anos.

Em outras palavras, nos próximos dois anos a “capacidade está dada” e, portanto, o que vai novamente determinar os níveis de fretes nesse período será a boa, velha e mais do que nunca imprevisível, demanda.

Diante de tamanhas incertezas, e dos aprendizados de 2020, talvez o caminho mais prudente para enfrentar 2021 seja estar preparado para ao menos 03 cenários em relação à demanda mundial (que refletirão diretamente no Brasil):

• Forte: Portos continuarão congestionados, equipamentos continuarão escassos e os fretes continuarão pressionados ao longo do ano (evidente que nada comparado aos níveis atuais);

• Normal: tanto o congestionamento nos portos quanto a escassez de equipamento tendem a se dissipar nos próximos meses (quando indústria/comércio em todo o mundo conseguirem repor seus estoques mínimos) e os fretes tendem a cair abaixo da metade dos níveis atuais;

• Fraca (eventual nova recessão global): tanto o congestionamento nos portos quanto a escassez de equipamento tendem a se dissipar nas próximas semanas e os fretes podem retornar ao níveis pré-pandemia (dependendo do blank sailings);

Claro que cada um desses cenários está intimamente ligado a uma série de variáveis um tanto quanto complexas de serem mapeadas regularmente com o devido detalhe, entre as quais: pandemia, lockdown, vacina, Brexit, Guerra Comercial (que certamente não irá acabar com a saída do Trump), novos hábitos de consumo, crescimento do protecionismo/nacionalismo, estímulos fiscais, desemprego/renda, atividade econômica etc. etc. etc.

No entanto, cada dia mais o monitoramento em tempo real dos fluxos internacionais de carga vem se consolidando como uma importante ferramenta de “antecipação da temperatura” das principais economias do mundo e, mais do que nunca, uma correta interpretação dos: Blank Sailings, Extraloaders, Upgrades, Downgrades, Utilizações, Schedule Integrity etc., poderá se tornar um diferencial competitivo para as muitas empresas dos mais diferentes elos da cadeia logística e, porque não, do mercado financeiro.

...e que venha 2021!!!

*Leandro Barreto / Managing Director – SOLVE Shipping Intelligence Specialists

*Felipe Lobo / Economista pela UFRJ e doutorando em Engenharia de Transportes pela USP

 



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