Nova reforma portuária: desafios jurídicos

Na prática, como é possível vencer a burocracia?

O País vem passando por grandes transformações quanto às regras para exploração dos portos, principalmente após a Medida Provisória 595: a MP dos Portos. Em tese, a medida nasceu para criar mais competitividade ao setor portuário, fundamental para o escoamento dos produtos no País, por meio da diminuição das tarifas portuárias, mas na prática o País ainda tem questões pontuais para ultrapassar.

Na análise do Advogado do Escritório Ruben Viegas – Eliana Aló Advogados Associados, Thiago Aló, o grande desafio jurídico da nova lei é vencer a burocracia. “O grande ponto jurídico que não é muito debatido é a questão dos prazos que possui a administração pública para adotar os procedimentos necessários que lhes compete, tanto no âmbito da Lei dos Portos quanto em relação às normas conexas”. De acordo com ele, além dos prazos não serem nada curtos, não raro eles são prorrogados ainda mais, “sem contar quando ficam suspensos em detrimento de outros órgãos precisarem se manifestar num dado processo”.

Adicionalmente, Aló ressalta uma questão de âmbito nacional: não há regulamentação eficaz para as greves. “A Lei 7.783/89 logo completará 30 anos e as coisas mudaram muito daquela época para cá, especialmente a ideia dos serviços chamados como essenciais, que a lei elenca apenas onze. Como ficam as importações e exportações nessa esteira? Não temos resposta positiva ainda”.

A lei que surgiu com o objetivo de trazer maior competitividade, desenvolvimento e investimentos, de acordo com o advogado, na prática, não atingiu esse objetivo. “Acontece que, na prática, o investimento é privado, ou seja, não existe de fato uma contrapartida do estado para que isso efetivamente aconteça nesse nível que o mercado esperou e da maneira com que foi noticiado à época. Se houve expansão, modernização e otimização da infraestrutura e da superestrutura que integram os portos organizados e instalações portuárias, isso se deu pelo empenho das áreas de tecnologia dos Operadores Portuários”, ressaltando ainda que projetos de melhoria efetiva, otimizando o tempo do despacho por exemplo, não sairá do papel sem a vontade estatal.


Soluções?

A proposta de mudanças da citada reforma portuária inclui entre outras medidas a redução de tarifas nos portos, a diminuição da burocracia, a redução do tempo de permanência de navios nos portos e a melhoria dos serviços de acesso rodoviário e aquaviário, além de outras medidas. 

A espera excessiva dos navios para atracar nos portos só piorou gerando gastos excessivos para os cofres públicos brasileiros e para o setor, assim como a burocracia e os acessos, mas como tudo tem um lado bom Aló brinca: “Neste ponto vou começar falando de “coisa boa”, o OEA”, destacando que o sistema vem para automatizar o despacho e deixar todo o seu trâmite mais célere e com custos menores nas operações. “Em contato com Fiscais da Receita que estão tocando esse assunto - e pasmem, são apenas dois em Santos – me disseram que a aceitação do mercado pela certificação OEA foi muito boa (apesar do criterioso processo de habilitação que tenho a oportunidade de acompanhar), pois, segundo os servidores, já existem diversas empresas intervenientes no ramo se habilitando e já algumas com a certificação. Sem dúvida a ideia é fenomenal: desburocratizar”.

Segundo ele, não há como falar em reduzir o chamado “Custo Brasil”, sem falar em desburocratização. “Tanto a Lei dos Portos quanto outras políticas públicas no ramo aduaneiro deveriam se tornar um mecanismo nessa onda já adotada pelo mundo todo, mas não vemos muito isso por aqui”, completou. Quanto o assunto é estrutura tributária, o advogado ressalta que aqui algumas mudanças são necessárias, com destaque para duas: incentivos fiscais na área e individualização de penas.

Para ele, no quesito incentivos fiscais, como a desoneração para as empresas do setor – que cumprem fundamental papel nas importações e exportações – é preciso aplicar uma manobra indireta de baixar custos da operação, refletindo diretamente no preço do produto na prateleira. No segundo ponto, ele destaca a famosa multa de R$ 5.000,00 do Siscomex, ressaltando possíveis novas que poderão ser criadas. “Hoje, defendo penalidades de R$ 5.000,00 sobre alteração de um dígito no NCM num conhecimento que o valor do aduaneiro da mercadoria foi algo em torno de US$ 300,00, por exemplo”.

Traçando um paralelo real, ele compara uma pessoa que importa palitos de fósforos sendo penalizada igualmente a pessoa que importa diamantes. “A carga suportada pelo importador de fósforos, de baixo valor agregado será imensa, enquanto que a carga suportada pelo importador de diamantes será ínfima, pois o material possui altíssimo custo. Indo além: e nos casos que agentes de carga ficam com a conta, percebendo algo em torno de US$ 50,00 pelo agenciamento? O fisco é voraz! ”, pondera, ressaltando que isso tudo precisa ser repensado, já que o impacto no comércio exterior seria não só a celeridade, mas a economia financeira para todo o país: “os produtos de prateleira estariam ficando mais baratos. Sem contar que estimularia naturalmente a economia e o consumo”.

Não retrocedemos tanto

Esforços no sentido de modernizar a atividade portuária brasileira por meio da nova Lei também trouxeram melhorias significativas ao setor, que para o advogado se tornam um conjunto de peças, algumas delas já criadas e que se encaixam perfeitamente, enquanto outras precisam ser revistas. “Essa Lei foi um passo importante, mas precisa de outros incentivos diversos para que nosso ramo portuário funcione a plena atividade, desde a construção de mais e melhores malhas ferroviárias até a criação de projetos que deixam mais rápido os trâmites aduaneiros”.

A nova legislação colocou os portos brasileiros diante de grandes desafios práticos e jurídicos, mas o que realmente mudou? Para ele, a nova lei trouxe como principal ponto positivo a ampliação da concorrência, favorecendo e facilitando que terminais instalados fora do porto organizado movimentem também cargas de terceiros. “Com a revogação do decreto 6.620/2008, foi permitida a entrada de novas empresas do setor, com o objetivo de ampliar e modernizar a infraestrutura e os serviços portuários brasileiros, promovendo o aumento da concorrência no setor e a melhora dos serviços, com a consequente redução dos preços e diversas medidas da regulamentação apontam para esse mesmo objetivo, como por exemplo, a forma de exploração dos serviços portuários fora do porto organizado, os chamados terminais portuários privados”.

Do ponto de vista do business em si, Thiago Aló enxerga como positivo afastar a administração pública das operações portuárias e destaca: “especialmente pela incapacidade do estado em manter e gerir, por si só, esse negócio”. Para ele, ainda que seja permitido que o Estado continue fiscalizando a atividade é natural que empresas privadas queiram, cada vez mais, prestar um serviço melhor, exatamente para atrair clientes. “Não é à toa que a Santos Brasil, por exemplo, investe pesado na modernização de seus equipamentos, gates completamente eletrônicos e treinamento de pessoal: a cada ano que passa bate seus próprios recordes de movimentação de Teus. Estamos num caminho muito bom nesse sentido e assim devemos continuar para atingir a excelência”, ressalta.

Sobre mudanças e revisões na nova Lei ou órgãos estarem mais alinhados e atentos as necessidades do setor logístico, Aló aponta que hoje a administração como um todo ainda precisa de uma pincelada de força de vontade e querer fazer acontecer. “Estou dizendo do ponto prático mesmo, interpessoal, daquele servidor que precisa pôr a mão na massa e deixa para próxima semana. Então, nesse sentido, entendo que os órgãos que precisam estar mais alinhados e atentos as necessidades do setor logístico, que requer celeridade e produção, e está saturado de instituições que não funcionam como deveriam, exatamente pela garantia da estabilidade, esquecendo que o seus maiores clientes somos nós, contribuintes, e, ainda, indo além, esquecem que a sua própria desídia e morosidade impacta diretamente o encarecimento do produto que eles mesmos irão adquirir no mercado”, acrescentando que o custo deles na cadeia logística sobe a cada minuto que se espera o despacho da autoridade ou o carimbo do servidor, especialmente os produtos importados ou que usam insumos importados.

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do Guia Marítimo. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.