Desglobalização e o shipping
O novo papel da navegação nas novas facetas da economia mundial não se baseia exclusivamente em navios
Com a inserção da tecnologia nos meios de produção e as tendências de retomada da regionalização, a globalização tem sido novamente abordada por uma série de publicações internacionais especializadas em logística. Pergunta-se como os governos devem reagir ao retrocesso do mercado global, e qual será o seu impacto sobre a navegação.
Ao passo que o Banco do Japão critica publicamente a decisão britânica de deixar a União Europeia, alegando que o ato gerou a maior fonte de incertezas no mercado, governos do mundo todo vêm respondendo às suas tensões internas com centenas de barreiras de mercado, protecionismo e redução dos fluxos globais de capital, o que prejudicou o crescimento econômico. O Diretor de Mercados Emergentes do Morgan Stanley, Ruchir Sharma, declara, em artigo para a Fairplay: “é possível que o crescimento econômico tenha que enfrentar uma refreada enquanto os líderes políticos dos países estiverem ocupados em lidar com a frustração daqueles que acreditam que a globalização os deixou para trás”.
Bem-vindos à era da “desglobalização”, sugere a publicação. Para a navegação, ela traz um pesadelo. Em um momento no qual a superoferta de navios demanda expansão econômica para aumentar a procura pela capacidade oferecida, as perspectivas de submersão dos mercados vêm na direção exatamente oposta ao cenário em que o mercado depositava suas esperanças. Apesar das iniciativas para diminuição da capacidade, por meio de scrapping (desativação de embarcações) e da redução no número de novas encomendas, nenhum dos lados da equação oferta/procura trazem certezas para a lucratividade da atividade de navegação.
As primeiras prejudicadas são as companhias endividadas, sejam elas de grande ou pequeno porte, assim como os estaleiros, tradicionalmente acostumados a usar pagamentos de novas encomendas para pagar dívidas de embarcações já em construção, e que demoraram para perceber a inviabilidade desse tipo de operação.
“A expectativa dos analistas internacionais do mercado é de que o setor de granéis secos deverá retornar aos níveis aceitáveis em 2018, os tanqueiros sofrerão pressões por tarifas em 2017 (quando receberem novas embarcações) e os containers vão continuar passando por momentos difíceis – a menos que haja um corte bastante significativo de capacidade no próximo ano”, avalia a Fairplay.
Todas essas previsões, no entanto, tiveram base na globalização, que é a base da produção como a conhecemos hoje. Se a “desglobalização” acontecer – e, com ela, mais barreiras, protecionismo e introspecção – então todas as apostas dos especialistas estarão inválidas. Seja lá qual for a reclamação do Banco do Japão, a questão vai além do Brexit: vivemos a possibilidade de que o mesmo aconteça, em curto prazo, com outras nações do mundo, algo que somente saberemos após as eleições que virão pela frente na França, Alemanha e Holanda, e podem trazer perspectivas bastante desconfortáveis para o mercado.
Segundo a Fairplay, para lidar com a desglobalização, os armadores deverão compreender que o shipping hoje em dia está menos ligado aos navios em si, e mais às pessoas. Pessoas com talentos, experiências e percepções, “insights”; pessoas que compreendam a atividade de intercâmbio de mercadorias e de mercados financeiros; que consigam interligar dados analíticos, comunicações via satélite, centrais de controle e tecnologia de última geração; pessoas para as quais o navio seja uma parte crucial, porém integrante do negócio de logística porta-a-porta. A desglobalização vai causar uma revolução na indústria da navegação, sim – diz o artigo. Porém o motivo é que ela vai expor ineficiências e más práticas onde houver. Grandes empresas, atuais e eficientes, e que consideram seus navios como patrimônio já podem ir se animando: o futuro virtual já ganhou o mundo real.
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