Sinais divergentes = Atenção redobrada
Extraído da revista digital - Janeiro 2021
Há exatamente um ano não havia nenhum profissional direta ou indiretamente envolvido no transporte marítimo de cargas que não estivesse buscando tangibilizar os possíveis impactos sobre o setor do IMO 2020, que mudaria os padrões de emissão de enxofre dos navios, levando as embarcações a migrarem para combustíveis mais caros (LSFO – Low Sulphur Fuel Oil, com 0,5% de enxofre ou MGO – Marine Gasoil com 0,1% de enxofre) ou instalarem depuradores de ar (scrubbers) para continuarem queimando o mesmo combustível (HSFO – High Sulphur Fuel Oil, com 3,5% de enxofre).
Dentre os muitos cenários especulados os de maior consenso eram: aumento do custo final dos produtos importados (possível inflação global), nem todos os armadores conseguiriam repassar totalmente o aumento dos custos (provável continuação da consolidação do setor) e as filas em estaleiros para instalação dos scrubbers reduziriam a oferta global de capacidade (com consequente aumento de fretes).
Vale lembrar que 2020 começou com a cotação do LSFO mais de US$ 300/ton acima do HSFO, mas aí, sem sequer pedir licença, veio a COVID e tudo mudou: o preço do combustível despencou, a diferença de preço entre LSFO x HSFO atingiu os US$ 45/ton (desestimulando o investimento em scrubbers) e, com isso, armadores não só não quebraram como também economizaram muito dinheiro com combustível.
O gráfico abaixo mostra, porém, que desde novembro/2020, mais do que o preço em si dos combustíveis, a diferença de valor entre o LSFO e HSFO voltou a aumentar de forma consistente, já tendo retomado a casa dos US$ 100/ton, sendo que uma das razões para isso seria a retomada da demanda por combustível de aviação que disputa com o LSFO algumas “moléculas” em seu processo produtivo.
Como existe um certo atraso entre o ajuste dos custos do combustível e o repasse aos donos da carga devido às diferentes fórmulas de reajustes adotadas pelos armadores (alguns fazem isso mensalmente outros trimestralmente) o certo é que as taxas de combustível devem ter aumentos importantes até o 2º trimestre de 2021.
Por outro lado, a “boa notícia” para os donos da carga é que a iminente parada das fábricas na China para o feriado do Ano Novo Lunar dá sinais de que pode mesmo servir como um “freio de arrumação” para desatar o nó logístico instalado naquele país em virtude da falta de equipamentos.
No geral o SCFI parece ter “batido no teto” nas primeiras semanas de 2021, com os fretes já começando a perder força em algumas rotas, conforme gráfico e tabela seguintes:
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Para o Brasil (Santos), embora a planilha ainda demonstre um aumento no frete spot entre a 1ª e a 2ª semana de 2021, já foram anunciadas 02 cancelamentos de viagens na saída da Ásia para o próximo mês o que, apesar de ser muito menos que os 06 blank sailings registrados no mesmo feriado do ano passado, já sugere que o “backlog” das importações brasileiras não era tão grande quanto se imaginava, diante dos recordes atingidos pelas tarifas nas últimas semanas e que ainda assim não minimizavam as dificuldades para garantir equipamento/embarque.
Embora existam muitos setores industriais no Brasil reclamando de falta de insumos e necessidade de recomposição dos estoques, a expectativa para fevereiro é que a demanda possa começar a “esfriar” nessa rota – entre outros motivos em virtude do fim do auxílio emergencial às famílias – e, consequentemente, tende a fazer os fretes spot da Ásia para o Brasil recuar.
De qualquer maneira, como o importador brasileiro está “disputando” equipamentos com outros importadores em todo o mundo, ainda será preciso estar atento à evolução da demanda, que continua bastante aquecida antes mesmo da liberação do novo pacote de auxílio de US$ 1,9 trilhões (e a despeito dos recorrentes recordes de mortes e internações por COVID), conforme demonstrado no gráfico abaixo.
Outro fator de preocupação para importadores em todo o mundo deverão ser os congestionamentos nos portos do EUA. No último dia 13 de janeiro havia 32 navios ancorados no sul da Califórnia aguardando atracação nos portos de Los Angeles e Long Beach, devido ao boom da demanda combinado com medidas de prevenção à COVID que estão limitando a produtividade dos terminais, além, claro, da falta de caminhoneiros naquele país. Numa recente publicação no LinkedIn Lars Jensen estimou que, tendo em vista que o atraso médio dos navios nos portos do EUA tem sido de uma semana, esses 32 navios ancorados equivalem à capacidade de 5 serviços transpacíficos “fora de serviço” ou, ainda, 290mil TEU “parados” (considerando uma capacidade média de 9.000 TEU), o que potencializa a falta de equipamento ao longo de toda a cadeia logística internacional.
Vale mencionar que esse congestionamento dos portos americanos, também observado na costa leste, já vem afetando alguns serviços que vêm ao Brasil tanto na rota do ECNA (gerando custos adicionais aos donos da carga) quanto da ASIA (já que os atrasos nos EUA também estão congestionando portos da Ásia).
Outros “sinais” muito importantes, e por vezes contraditórios, aos quais os profissionais direta ou indiretamente relacionados ao transporte marítimo precisarão estar atentos em 2021 são:
1. Frete Contrato X Frete Spot: se por um lado a tendência dos fretes spot seja de queda, os fretes de contrato (que representam a maior parcela da carga embarcada) estão seguindo na direção oposta (ainda que bem abaixo do spot);
2. Oferta de capacidade: tendo em vista que há poucos navios para sair dos estaleiros nos próximos meses, e caso a demanda continue aquecida em 2021 e 2022, provavelmente as únicas maneiras dos armadores aumentarem a capacidade serão: acelerar os navios (o mundo estaria preparado para assumir esse passivo ambiental?) ou diminuir a cobertura comercial (aumentado transbordo, transit times, custos, inventários etc.);
3. Como/Quando as vacinas afetarão a demanda: há muitos especialistas no setor acreditando num resfriamento do varejo (e da demanda por produtos chineses) tão logo as pessoas possam voltar a consumir serviços: turismo, entretenimento, restaurantes etc.
A questão é que cada vez parece mais evidente que os armadores estão, do ponto de vista da rentabilidade, bem posicionados para qualquer um desses cenários – o rápido ajuste de capacidade e os resultados positivos do 2º trimestre de 2020 são a maior prova disso, só resta saber se/como os demais elos da cadeia logística estão se preparando para tantos “sinais” divergentes.
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